Ao participar da Expomoney em Recife, evento sobre finanças pessoais realizado na semana passada, me veio à mente o livro "Miopia Corporativa ? Como a negação de fatos evidentes impede a tomada das melhores decisões, e o que fazer a respeito", de Richard S. Tedlow, no qual o autor mostra como administradores de empresas líderes ? como a automobilística Ford, a varejista Sears, a fabricante de pneus Firestone e de computadores IBM ?, aose recusarem a ver que mudanças ocorriam no ambiente econômico, acabaram colocando suas empresas em perigo.
No excelente livro, Tedlow mostra que determinadas alterações no ambiente corporativo podem derrubar gigantes corporativos se seus gestores permanecerem alheios às mudanças. Ele dá o exemplo da Ford, que no início do século passado era dominante no cenário automobilístico americano com o seu modelo Ford T, mas começou a perder espaço ao não perceber que o gosto dos consumidores se sofisticava com o passar do tempo. E o da Firestone, que negligenciou a força de um produto substituto ? os pneus radiais, com maior durabilidade e que provocavam alteração radicalna formação de preço e na estratégia de comercialização.
O autor cita ainda a varejista Sears, que negligenciou a entrada de competidores agressivos como a Kmart e, principalmente, a Wal-Mart, e também o já conhecido caso da IBM, que se recusou a entender a mudança cultural provocada pelo advento do computador pessoal.
Na Expomoney, participei de um painel com a jornalista Mara Luquet e com um representante de uma corretora recifense. Sala apinhada de gente ? talvez 80 pessoas, alguns já leitores do blog "O Estrategista". A participação foi intensa: "Como calculo o retorno de dividendos?", "Como ficaram as ações do setor elétrico após a intervenção do governo em 2012 na renovação das concessionárias?", "Tenho fundo Petrobras, continuo com meu dinheiro lá?", "Vale a pena ficar vendido em índice ou é melhor ficar "short" em uma ação?". Ao fim da apresentação, mais perguntas: "Sou estudante, qual a melhor formação para trabalhar no mercado de ações?", "Meu amigo disse que existem dois tipos de ações "P-nãoseioque" e "O-alguma coisa". Como é mesmo o nome? Qual a melhor?". Muitas dessas dúvidas já foram esclarecidas ao longo dos quase dois anos do blog e mostra o interesse por finanças pessoais e, no caso específico, por ações.
Utilizando de forma extensiva o conceito de Andrew Grove, presidente da Intel, um ponto de inflexão ocorreu no mundo das aplicações financeiras brasileiras coma queda da inflação e, mais recentemente, dos juros básicos da economia. As finanças pessoais eram desnecessárias até um tempo atrás. Como elaborar um orçamento realista em um ambiente hiperinflacionário? Para que buscar investimentos de maior risco se havia tantas opções com liquidez e alta rentabilidade? A cartilha dos investidores se resumia a poucas opções: caderneta de poupança, CDB e fundos DI.
Esse cenário se alterou profundamente (o ponto de inflexão) em agosto de 2011, quando o Banco Central iniciou uma forte redução da Selic. Com isso, uma demanda reprimida por conhecimento financeiro veio à tona, fato semelhante ao ocorrido com os telefones após a privatização do Sistema Telebrás, em 1998, e com imóveis após a criação da alienação fiduciária. Quer uma prova? O filme brasileiro mais visto em 2012 com mais de três milhões de espectadores foi "Até que a sorte nos separe", roteiro baseado no livro de finanças pessoais "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos", do consultor financeiro Gustavo Cerbasi.
Os provedores tradicionais de educação financeira ? gestores, analistas, imprensa, corretoras ? continuam, em regra, alheios à mudança. As gestoras independentes continuam buscando os investidores institucionais: "Pessoa física dá trabalho", argumentam. Trabalhei mais de 15 anos em gestoras e corretoras voltadas para clientes institucionais e percebo que os analistas mantêm o preconceito contra o investidor pessoa física. Órgãos de imprensa ainda atuam de forma tímida em finanças pessoais, pois alegam não conseguirem receitas com o assunto. A condição financeira precária da maioria das corretoras independentes impede investimentos nesse canal de comunicação.
O trabalho de dialogar coma pessoa física tem sido feito por sites e publicações independentes. Contudo, a diversidade de alternativas torna difícil separar o joio do trigo. A postura dos agentes tradicionais de negar a ascensão da pessoa física, provavelmente, não os levarão à ruína como nos casos da Firestone ou da Sears, mas indica que uma importante fonte de receita está sendo deixada na mesa. É necessário mudar o modelo mental, adotando novos paradigmas.