As negociações para evitar o "abismo fiscal" nos Estados Unidos caminham em ritmo lento e os mercados internacionais operam na retranca à espera de declarações de líderes republicanos ou democratas que indiquem em que fase estão as conversas. Embora ainda não seja o cenário base dos analistas, começa a entrar no radar dos investidores a possibilidade de a maior economia do mundo não chegar a nenhum tipo de acordo até 31 de dezembro. Até lá, eles descartam o tradicional rali de fim de ano das bolsas e falam em recessão no primeiro semestre nos Estados Unidos e redução na nota de crédito soberana caso a negociação não evolua.
Pelo cenário dos analistas ouvidos pelo Valor, o pior provavelmente será evitado e a Casa Branca chegará a um consenso com os republicanos. Entretanto, eles estimam que as negociações se arrastem até o fim do prazo, em 31 de dezembro, ou, na melhor das hipóteses, até esta sexta-feira, pouco antes do Natal. Diante desse cenário, o clima nos mercados acionários tende a ficar mais tenso nos próximos dias e os principais índices globais estarão sujeitos a perdas e volatilidade, impedindo um rali de fim de ano.
O abismo fiscal ("fiscal cliff") refere-se a uma série de cortes de gastos e aumentos de impostos, no total de aproximadamente US$ 600 bilhões, que vão ser validados no início de 2013 caso não haja acordo político. Com isso, todas as reduções de impostos que tiveram início há dez anos no governo de George Bush e as medidas de desoneração sobre as folhas de pagamento criadas por Obama deixariam de valer, o que poderia comprometer o crescimento da economia americana.
David Semmens, economista sênior do Standard Chartered para os EUA, prevê um acordo "no último minuto", opinião compartilhada por Michael Hanson, economista sênior do Bank of America Merrill Lynch, e por Aneta Markowska, economista-chefe do Société Générale para os EUA.
No entanto, a percepção dos três é que não haverá um acordo completo entre as duas partes.
"Esperamos alguma forma de consenso. Algo como um processo com diversas etapas, com determinados pontos a serem decididos no início de 2013. Mesmo assim, é importante lembrar que a possibilidade de concretização do "abismo" está aumentando", disse Hanson.
Na opinião de Semmnes, os mercados ainda estão complacentes com essa indecisão dos congressistas. Ele não acredita que os investidores já embutiram no preço dos ativos a concretização do abismo fiscal, mas adianta que "as preocupações aumentam com o tempo". Hanson, do BofA, observa uma "precificação modesta" desse impacto. "Muitos parecem antecipar um acordo que resolva grande parte das questões, ou um empurrão razoável para uma solução entre seis e 12 meses", disse o economista do BofA.
Já Aneta, do Société Générale, afirmou que o receio dos mercados de que as negociações não avancem é um dos motivos que impedem o tradicional rali de fim de ano dos índices acionários. "Pelo tamanho do problema, até o momento o mercado está descontando muito pouco. Também é importante destacar que não basta pensar apenas na conclusão de um acordo, mas se o que estará dentro dele será capaz de satisfazer a expectativa dos agentes", disse.
Se não houver um desfecho satisfatório até 31 de dezembro, Wall Street e, provavelmente, os mercados de ações de todo o mundo, observarão um movimento pesado de aversão ao risco, o que, segundo Aneta, aumentaria bastante o interesse por ativos seguros, como os Treasuries. "Além disso, cresceriam as chances das agências de classificação de risco rebaixarem o rating soberano dos EUA em resposta à falta de iniciativa dos legisladores para resolver o problema da dívida americana no longo prazo, o que geraria uma reação bastante negativa nos investidores", disse ela.
Em agosto de 2011, a Standard & Poor"s reduziu, pela primeira vez em 70 anos, a nota de crédito soberano de longo prazo do país, de "AAA" para "AA+", alegando que o plano orçamentário que Congresso e governo aprovaram à época ficava aquém do que seria necessário para estabilizar a dinâmica da dívida pública americana no médio prazo.
De acordo com estrategistas do BofA, se entrar em vigor, o abismo fiscal deve prejudicar principalmente os setores de defesa, tecnologia e saúde, segmentos que mais podem sofrer com a contenção de gastos do governo em 2013. "O abismo fiscal levaria a um impacto negativo na taxa de crescimento do país de aproximadamente 2 pontos percentuais em 2013", disse Hanson. A estimativa de Aneta é de um impacto de cerca de 1,5 ponto percentual.
Além das baixas dos índices acionários em Wall Street, Semmens, do Standard Chartered, lembra que a falta de resolução para o impasse implicará recessão para a economia americana já no primeiro semestre de 2013. "Por outro lado, reduziria dramaticamente o déficit do país", afirma o economista.