Brasil não está no olho do furacão da crise mundial, mas o mercado de ações sofre como o de um país à beira da bancarrota
O Brasil não está no olho do furacão da crise mundial, mas o mercado de ações sofre como o de um país à beira da bancarrota. Levantamento do Valor Data mostra que o Ibovespa tem, no ano, uma das piores quedas dos mercados globais de ações. Para especialistas, o foco do índice em papéis de empresas que vendem commodities, a perspectiva de desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) e a própria desvalorização do real pesam sobre o indicador local. Problemas específicos de determinadas "blue chips" também deixam muito investidor ressabiado.
De acordo com a pesquisa, o Ibovespa cai 11,88% em dólares no ano, até 26 de julho. A perda em moeda local é de 4,85%. O comportamento é o quinto pior e só supera os indicadores dos países que mais sofreram com a crise até agora, em ambas as comparações. Em dólares, os piores desempenhos ficam com Espanha (-29,56%), Grécia (-18,79%), Itália (-17,06%) e Portugal (-16,91%). Em moeda local, Espanha cai 25,65%, Grécia perde 14,29%, Itália recua 12,46% e Portugal cai 12,30%. O levantamento leva em conta 42 bolsas no mundo e inclui os Estados Unidos, com o Dow Jones em alta de 4,12%. No ano passado, o Ibovespa ficou na 12ª pior colocação em dólares, com baixa de 26,7%. Em moeda local ficou no meio do caminho, na 19ª colocação, com queda de 18,11%.
"O estrangeiro aposta no Brasil como um investimento de commodity e, de alguma maneira, um posicionamento indireto na China", diz o professor de finanças do Insper Michael Viriato Araújo. Com isso, a perspectiva de desaceleração do gigante asiático atinge em cheio produtores de commodities com muito peso no índice, como Vale.
A perspectiva de desaceleração nos preços do minério de ferro tem penalizado as ações da mineradora em bolsa. Entre 13 e 26 de julho, os papéis PNA da companhia acumularam perda de 10%. O balanço do segundo trimestre, divulgado na quarta-feira à noite, foi considerado ruim por analistas. O analista da Lopes Filho João Augusto Salles diz, em relatório, que está revisando suas projeções para a empresa em razão de um cenário mais desafiador.
Em 10 de julho, antes mesmo do balanço, o Bank of America Merrill Lynch cortou o preço-alvo para as ações da Vale. Em relatório, os especialistas Felipe Hirai, Thiago Lofiego e Karel Luketic afirmavam que a redução era resultado da atualização das estimativas para os preços dos metais, para refletir um quadro mais fraco de oferta e demanda.
A sequência de redução nas perspectivas para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro também faz o investidor colocar o pé no freio, lembra o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. "Antes, falava-se em recuperação da economia a partir do terceiro trimestre do ano. Agora, as projeções já foram postergadas para o quarto trimestre, ou mesmo para 2013", diz.
Esses fatores, sozinhos, já reduzem os ânimos dos aplicadores. Ricardo Della Santina Torres, professor da Brazilian Business School, acrescenta a desvalorização do real à lista de fatores que tiram o interesse pelas ações brasileiras. A alta do dólar encarece a bolsa local. No ano, até a última quinta-feira, o dólar tem alta de 7,92%.
Não bastassem esses efeitos negativos, o professor Araújo, do Insper, lembra que as principais blue chips do Ibovespa não têm contribuído para reverter a situação. OGX ON saiu de uma máxima de R$ 18,21 em fevereiro para R$ 5,10 em 26 de julho. O mergulho foi de nada menos que 72% se acentuou no fim de junho, quando a empresa decepcionou investidores ao divulgar, novamente, produção abaixo de sua própria indicação ao mercado.
Petrobras PN caiu da máxima no ano de R$ 25,27, em 24 de janeiro, para R$ 19,26 na última quinta-feira. A baixa é de 23,7%. Discussões sobre ingerência política, lentidão no desenvolvimento de projetos e ajuste dos preços praticados em relação ao mercado internacional prejudicaram os papéis.
Vale, além do problema do minério, ainda encontrará volatilidade em bolsa em função das discussões em torno de um novo marco regulatório, que apresenta maior taxação e cobrança de royalties sobre o minério, diz o analista da Lopes Filho. A Vale tem ainda questões pendentes como o litígio envolvendo a cobrança de tributos pelo governo sobre lucro de subsidiárias no exterior, lembra Salles. "Mesmo que a perspectiva seja de que a mineradora alcance uma solução favorável, a questão acaba por atrapalhar a formação de preços das ações", diz em relatório a clientes.