Nem no dia da morte, a baronesa Margaret Thatcher, uma das mais importantes figuras políticas do século XX, deixou de ser controversa. Quando até opositores costumam ser econômicos com as palavras, numa espécie de trégua fúnebre, não faltaram críticas pesadas, e mesmo comemorações, pela morte da Dama de Ferro - apelido que lhe foi dado pelos soviéticos por sua inflexibilidade no exercício do poder. Conhecida também por inaugurar, junto com o ex-presidente americano Ronald Reagan, uma era de liberalismo econômico cujos resultados são vistos ainda hoje, a ex-primeira-ministra britânica morreu ontem, aos 87 anos, após um derrame, numa suíte do luxuoso hotel Ritz, na capital britânica, onde convalescia desde dezembro, após uma pequena intervenção na bexiga.
Thatcher foi a primeira mulher a comandar o Reino Unido - e também a primeira a governar uma potência ocidental. Foi eleita por três mandatos, entre 1979 a 1990, pelo Partido Conservador. Como reconhecem admiradores e detratores, Thatcher foi personagem central da História contemporânea. Com Reagan, contribuiu para a derrota do chamado "socialismo real" e o fim da Guerra Fria. A gestão de Thatcher foi também marcada pela Guerra das Malvinas, em 1982, vencida pelo Reino Unido.
Thatcher não terá enterro de chefe de Estado, mas sim uma espécie de "funeral protocolar", com honras miliares, na Catedral de Saint Paul. Este não foi o formato usado para o também ex-premier Winston Churchill, que morreu no exercício de suas funções, mas é semelhante ao que foi adotado para a princesa Diana e a Rainha Mãe.
O atual primeiro-ministro, David Cameron, também do Partido Conservador, afirmou que a Dama de Ferro não apenas liderou o país, mas o salvou, e deverá passar para a posteridade como a "maior primeira-ministra britânica em tempos de paz". Nem mesmo o líder da oposição, o trabalhista Ed Miliband, provável adversário de Cameron nas eleições de 2015, deixou de admitir a importância de Thatcher:
- O Partido Trabalhista discordou muito do que fez, e ela será sempre uma figura controversa. Mas podemos discordar e, ao mesmo tempo, respeitar as suas conquistas políticas e a sua força pessoal.
importância indiscutível
As políticas ultraliberais da ex-premier são as principais responsáveis pelas críticas que, mesmo após sua morte, continua recebendo. Em nota à imprensa, o sindicato dos mineiros prestou condolências à família, mas afirmou que "o legado do governo conservador para a indústria britânica sob o comando de Thatcher não é motivo de orgulho". E vai ainda mais longe: "Thatcher viveu o suficiente para ver suas crenças demolidas, quando o livre mercado entrou em colapso e correu para pedir ajuda ao Estado", conclui o documento.
Entre veneração e desprezo, o certo é que especialistas são unânimes ao reconhecerem sua importância histórica. Os governos que sucederam ao seu, opositores ou não, mantiveram parte de suas políticas - até o ex-premier Tony Blair, trabalhista, reconheceu isso. Hoje, em plena crise financeira, quando os conservadores tentam incentivar a economia britânica por meio de novos cortes orçamentários que sacrificam as políticas sociais, o adjetivo empregado é sempre o mesmo: para o bem ou para o mal, uma política thatcherista.
- É impressionante como até hoje ela tem o seu lugar garantido no imaginário britânico, o que se pode ver pelas reações de várias camadas da sociedade durante todo o dia (de ontem) - afirmou Robert Saunders, da Universidade de Oxford, um dos organizadores do livro "Making Thatcher"s Britain".
Segundo ele, uma das marcas da ex-primeira-ministra foi ter divido a população e polarizado o país, com políticas que beneficiavam uma parte da sociedade em detrimento de outra. Para Saunders, o governo conservador de Thatcher afetou diretamente a vida do cidadão comum:
- Quem trabalhava na indústria de carvão, aço ou construção de navios enfrentou uma crise profunda, desemprego e o fechamento das indústrias. Mas quem comprou a primeira casa própria ou abriu seu pequeno negócio teve vantagens.
A reação à morte de Thatcher pela internet mobilizou milhares de pessoas, não apenas no Reino Unido. Ontem, por volta de meia-noite, a página "Isthatcherdeadyet" ("Thatcher já morreu?"), criada há cinco anos, foi atualizada pela primeira vez e tinha 180 mil "curtidas" no Facebook. Os oponentes do thatcherismo, sobretudo sindicatos de setores prejudicados nos anos 80, convocaram festejos e uma celebração, no sábado, em Trafalgar Square.
O Globo