Se as cotações das ações estão em baixa por causa da turbulência internacional, o mesmo não se pode dizer dos dividendos. Até sexta-feira, enquanto o Índice de Dividendos (Idiv) acumulava em 2012 ganho de 7,31%, o Ibovespa amargava prejuízo de 3,95%. Por causa da queda da taxa Selic, os dividendos devem superar o juro real neste ano.
Estudo das corretoras Ágora e Bradesco com 158 empresas consideradas relevantes para o mercado estima retorno médio com dividendos de 3,4% em 2012, mais de um ponto percentual acima do juro real de 2,32% projetado pelos analistas. Se considerado apenas o universo das companhias do Ibovespa, a diferença é ainda maior, já que o retorno médio do índice de dividendos hoje está em 4,60%.
Com o juro real na casa dos 2,3% ao ano e o aumento da aversão a risco provocado pela crise europeia, anda difícil ganhar dinheiro. Nesse cenário, para muitos especialistas, a solução pode ser o investimento em ações que pagam bons dividendos. Na média, o retorno estimado para este ano só com a distribuição de lucro das empresas já superaria o juro real (descontada a inflação) projetado.
Além disso, os papéis de dividendos, como tradicionalmente acontece em ambiente de turbulência, já mostram um descolamento em relação ao desempenho médio da bolsa. Neste ano, até sexta-feira, enquanto o Índice de Dividendos (Idiv) acumulava ganho de 7,31%, o Ibovespa amargava recuo de 3,95% (ver gráfico nesta página).
Estudo elaborado pelas corretoras Ágora e Bradesco com 158 empresas consideradas relevantes para o mercado, incluindo as que participam do Ibovespa, estima um retorno médio com dividendos de 3,4% para 2012, mais de um ponto percentual acima do juro real de 2,32% projetado pelo mercado. Se considerado apenas o universo das companhias do Ibovespa, a diferença é ainda maior, já que o "dividend yield" médio do índice hoje está em 4,60%.
Com a Selic a 9% ao ano, essa é a primeira vez nos últimos cinco anos, pelo menos, que o retorno médio com dividendos supera com certa folga o juro real projetado para o período. No ano passado, aponta o estudo da Ágora/Bradesco, o "dividend yield" médio do grupo de 158 companhias analisadas ficou em 3,70% ao ano, ante 4,48% do juro real.
Apesar de servir como referência, a média não é a melhor medida para avaliar o mercado, já que pode incluir na conta empresas que não têm lucro para distribuir ou estão em fase de investimentos pesados, o que restringe a capacidade de geração de caixa e, consequentemente, o potencial de retorno com dividendos, pondera o estrategista para pessoa física das corretoras Bradesco e Ágora, José Francisco Cataldo. Para se ter ideia, a carteira recomendada de ações de dividendos das instituições tem um "dividend yield" estimado de 6,51% para este ano - retorno ainda melhor se comparado com o juro real e em linha com a projeção anual média para as companhias que compõem o Idiv, de 6,65%.
Ele destaca ainda companhias cujo retorno com dividendos supera, inclusive, a taxa Selic atual (9% ao ano). De acordo com o estudo, esse é o caso da Telefônica Brasil, com "dividend yield" estimado de 9,3% para este ano. A Vale é outra que apresenta um retorno com dividendos bastante atrativo, de 8,9%. Importante lembrar que o quadro de fraqueza da economia local associada à deterioração do cenário externo, com o risco maior de a Grécia sair da zona do euro, abre espaço para a continuidade da queda do juro. Em relatório distribuído na sexta-feira, o BofA Merrill Lynch disse esperar que até agosto o juro esteja em 7,75%.
Para Cataldo, proteger-se em ações de empresas com bons fundamentos que pagam altos dividendos é a melhor estratégia hoje na bolsa por conta da crise, especialmente para o iniciante. "É dinheiro na conta, em alguns casos com retorno similar à Selic, fora a perspectiva de valorização da ação", diz. Em geral, as empresas que distribuem bons lucros já estão estabelecidas, fizeram investimentos de grande porte, são pouco endividadas e geram muito caixa, o que faz com que estejam menos vulneráveis à crise, continua ele. O setor elétrico é um exemplo.
Embora as chamadas ações de dividendos representem uma proteção em tempos de crise, Cataldo ressalta que o investidor tem sempre que ter em mente que a bolsa é uma aplicação de risco elevado.
Como o ganho previsto com os juros também se reduziu muito, quem quiser manter o padrão de rendimentos provavelmente terá de enveredar para um caminho que inclui mais risco na carteira. E, nesse caso, lembra Iram Siqueira, cogestor dos fundos de ações "long only" (que operam comprados apenas) da Credit Suisse Hedging-Griffo, o investimento em ações de dividendos é a melhor alternativa para colocar o pé na bolsa. Ele lembra que essas companhias costumam proteger o capital em cenário adverso e ainda oferecem retornos razoáveis em ciclos de alta da bolsa.
De certa forma, observa o gestor, é uma classe híbrida de renda fixa e renda variável, o que faz com que a aplicação tenha uma volatilidade menor, diz. "Essa é uma alternativa que deveria fazer parte do portfólio da pessoa física, principalmente nesse cenário que combina juro baixo e aversão a risco", continua.
Muitas das companhias que distribuem boa parcela de seus lucros para os acionistas acabam atraindo atenção também por outros fatores inerentes aos seus perfis. Um deles é o chamado "seguro" contra a inflação, algo muito valorizado em tempos de incertezas sobre o comportamento do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que está acima do centro da meta perseguida pelo Banco Central (BC). Isso reduz o ganho real do aplicador, principalmente o de renda mais alta, já que os serviços têm puxado as altas do índice de inflação.
"Essas empresas acabam normalmente tendo fluxo de caixa mais previsível", diz a gestora dos fundos de dividendos da Itaú Asset, Isabel Lemos, referindo-se às companhias de serviços públicos, como energia elétrica, saneamento e logística, escolhas clássicas de quem adota a estratégia de captura de dividendos.
Mas observando a lista das que despontam como as boas pagadoras de dividendos este ano é interessante notar que empresas que não estão entre as preferências usuais dos investidores atraídos por dividendos ganham apelo especial. A combinação de um consumo interno ainda sustentado com as expectativas fracas de crescimento global, diante da crise enfrentada pelas economias desenvolvidas, acaba sendo benéfica.
"A necessidade de investimento caiu muito e as empresas estão vendendo bem. É um típico caso de dividend yield", diz Flavio Clemente, sócio da Venture Investimentos, gestora dedicada exclusivamente à estratégia.