A forte alta do dólar nos últimos dias já está sendo sentida pelo consumidor. Um dos principais efeitos da valorização da moeda — que ontem ficou estável a R$ 2,002 pressionado pela crise europeia — é o encarecimento dos pacotes de viagem para fora do Brasil. O câmbio atingiu em cheio os planos de brasileiros como o publicitário Pedro Rafael da Costa Barbosa, 26 anos, que viu o seu projeto de ir para Miami ruir. Apaixonado pelo basquete norte-americano, ele pretendia conhecer os Estados Unidos no mês que vem não apenas para se divertir, mas também para comprar produtos e revender no Brasil, a fim de complementar o orçamento enquanto aguarda nomeação em um órgão público.
Mas Barbosa desistiu dos planos após acompanhar a alta nos preços das passagens e dos outros custos da viagem. Quando começou a pesquisar, no início de maio, o bilhete mais barato saía por cerca de R$ 1,9 mil. Agora, o mesmo trecho custa mais de R$ 2 mil. Isso sem falar na fatura do cartão de crédito que ele receberia na volta. "O turista se sente lesado. Ele pensa: "se eu podia pagar mais barato antes, por que vou desembolsar mais agora", avalia Barbosa.
José Luís Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), explicou que, de fato, o efeito imediato da alta do dólar é para quem vai viajar. Se, dentro dos próximos dois ou três meses a moeda não se desvalorizar, os brasileiros também vão ver os preços de itens importados, como eletrônicos, roupas e vinhos, subirem. "Isso abrirá espaço para que os produtos nacionais fiquem mais caros. Mas ainda não sabemos qual será o comportamento da moeda", observou. Até aqui, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem considerado positivo para a indústria brasileira o patamar de R$ 2, que ajuda o país a recuperar competitividade em alguns produtos, sobretudo aqueles ofertados no exterior. Como o Banco Central (BC) tem evitado nos últimos dias a intervir por meio de leilão de dólares, analistas financeiros acreditam que o patamar de R$ 2 por um dólar é considerado ideal pelo governo.
Para Felipe Queiroz, analista da Austin Rating, muito mais do que a situação do mercado interno, o movimento do câmbio será determinado pelas condições político-econômicas na Zona do Euro, evidenciadas pela possibilidade de saída da Grécia da União Europeia. "O problema é no setor externo. Muitos investidores tiram seus recursos daqui para recompor suas posições nos países de origem ou compram ativos de mais segurança, como títulos do tesouro norte-americano", afirmou.
Pacotes
O drama é sentido também pelos empresários. De acordo com o gerente operacional da agência de viagens Intravel, Paulo Ruel, a procura por pacotes para o exterior nos últimos dois meses foi 10% menor do que no mesmo período do ano passado. "O maior problema é a oscilação do câmbio, que deixa o turista inseguro, e não o seu valor. Se o dólar estiver estabilizado, o cliente continua comprando mesmo com a moeda em um patamar alto", disse.
Com a nova cotação, os pacotes subiram na casa das centenas. Ruel calculou que o total pago por passagens e estadia para uma semana em Miami, um dos destinos mais procurados pelos turistas, passou de R$ 4,3 mil há dois meses para R$ 5 mil no início de maio. Apesar do recuo na procura por voos internacionais, o gerente não acredita que a empresa perderá em faturamento. "Esses turistas que viajariam para o exterior não desistem das férias, apenas transferem o passeio para destinos nacionais, principalmente para o Nordeste e Sul do país", afirmou. É o caso de Barbosa, que deve usar parte do dinheiro poupado para viajar para Natal ou mudar o local de compras para o Paraguai. "Até porque não seria vantajoso revender os produtos por valores absurdos no Brasil", disse.
A aproximação das férias também ajuda as empresas a não ficarem no prejuízo. A assessoria de imprensa da CVC afirmou que, mesmo com valores mais caros, a procura por pacotes internacionais continua aquecida, sobretudo para Bariloche, Caribe e Estados Unidos.
O educador financeiro Reinaldo Domingos recomendou que, se possível, as pessoas adiem a viagem. Se não der, ele orientou que o ideal é levar dinheiro em espécie ou utilizar um cartão pré-pago, evitando, dessa forma, o uso do crédito para as compras. "A cotação no período de fechamento da fatura pode estar mais alta, e isso sempre causa descontrole nas finanças posteriormente, além, é claro da taxa de 6,38%% do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) com a utilização do cartão", afirmou. As promoções anunciadas por empresas de viagens continuam em cartaz, mas algumas delas preparam para o fim de semana novas campanhas publicitárias, segundo informou uma grande agência paulista.
» Sem impacto na inflação
O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, rebateu ontem as afirmações de que a valorização cambial pressionará a inflação, como têm alertado os analistas de mercado. Ele disse que os preços da indústria, os mais afetados pela oscilação do câmbio, estão baixos e que a inflação tem sido influenciada, sobretudo, pelo setor de serviços. Observou ainda que o novo cenário fará a entidade rever a sua estimativa de crescimento para o setor, de 2% para um intervalo entre 2,5% e 3% este ano. "A taxa ao redor de R$ 2,00 é suficiente para se obter uma recuperação importante, e esperamos que venha a subir com a continuidade da queda dos juros", disse.