O câmbio desvalorizado, visto pelo governo como uma plataforma de salvação para a indústria, encareceu insumos importantes do setor cotados em dólar e se transformou em pressão de custos adicional para empresários. Desde março, quando a moeda americana começou a subir, o real se desvalorizou em 13,5%. No ano, a alta é menor (7%) porque a cotação recuou nas primeiras semanas do ano. Segundo associações industriais, no entanto, a demanda e o comportamento das commodities (tanto externa como interna) vão definir o espaço para o repasse aos preços dos bens finais.
O índice de insumos industriais calculado pela RC Consultores, que também engloba itens como salários e frete rodoviário, recuou 1,8% em dólares na passagem de março para abril. Em reais, no entanto, a alta é de 1,3% para o mesmo período. Para Fabio Silveira, sócio-diretor da consultoria, as taxas inversas são um sinal claro de que a escalada da moeda americana está pressionando os custos da indústria. No mercado interno, subiram mais em abril, segundo o índice da RC, borracha (7%), barrilha (matéria-prima para o vidro, 4%), placa de aço (4,1%), resina plástica (4%) e papel kraft (1,5%).
De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Exterior (Mdic), matérias-primas e intermediários detêm a maior fatia das importações brasileiras, com 43,8% do valor importado pelo país entre janeiro e abril, ou US$ 31,2 bilhões. A elevação desses insumos é evidente nos Índices Gerais de Preços (IGPs), que acompanham o movimento dos produtos no atacado. No IGP-DI de abril, último indicador fechado divulgado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o subgrupo materiais para manufatura avançou 3%, após aumento de 0,74% em março. Salomão Quadros, coordenador de análises econômicas da FGV, destaca que a alta do último mês nesse segmento é equivalente à elevação acumulada nos 12 meses encerrados em abril. "É uma mudança de padrão", diz.
As pressões sobre os preços de insumos em abril foram generalizadas, com aceleração em ferroligas (menos 2,5% para 7,2%), alumínio (menos 4,2% para 7,2%), amônia (menos 13% para 13,8%) e farelo de soja (5,5% para 11,5%), entre outros. Para Quadros, a alta do dólar teve seu papel sobre essas variações, mas ainda não é preponderante.
O farelo de soja, explica Quadros, está respondendo mais à quebra da safra dessa commodity. Já um grupo importante de insumos petroquímicos está sendo afetado pelo petróleo, cujo preço do barril tipo Brent acumula alta de 13,2% desde o início de outubro passado. Segundo Quadros, o movimento do óleo está por trás da elevação de 5% em produtos químicos orgânicos e 3,8% em resinas no IGP-DI de abril. Em março, esses preços haviam subido 2% e 1,1%, respectivamente. Essa trajetória de alta deve perder fôlego daqui em diante, projeta o economista da FGV, porque os preços do petróleo começaram a ceder recentemente.
A diretora de economia e estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Fátima Giovanna, concorda com a avaliação de Quadros. Ela observa que a tonelada da nafta petroquímica, matéria-prima para grande parte desses insumos, custava US$ 887 a tonelada dezembro, cotação que em abril atingiu US$ 1.065. Além disso, diz Fátima, todos os grupos de químicos têm elevação de preços na comparação entre o primeiro trimestre do ano passado e igual período deste ano porque o setor passou por um longo período de preços deprimidos, efeito da crise.
A economista acredita que o novo patamar do dólar é uma oportunidade não só para a indústria química, mas para o setor como um todo, porque a taxa anterior estimulava importações em diversos ramos. Nos químicos, segundo estimativa da Abiquim, os importados atenderam 35% do consumo interno em 2011. Um recuo dessa fatia este ano, pondera Fátima, depende não apenas do movimento do câmbio, mas também de uma recuperação das economias desenvolvidas. "A questão dos produtos excedentes será fundamental para determinar o peso das importações sobre o consumo no Brasil."
O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, projeta que a indústria do setor deve recuperar espaço dos importados, responsáveis por 21% do consumo do segmento em 2011, caso o atual patamar de câmbio seja mantido. Até o momento, segundo Barbato, a alta de insumos ainda não chegou às indústrias associadas, porque os contratos de importação foram fechados quando o dólar estava mais barato. Ele vê poucas chances, no entanto, de um aumento acentuado nesses preços. "O mercado externo está muito mais ofertante do que demandante. À medida que nossa moeda é desvalorizada, nosso fabricante pede desconto para o fornecedor internacional", conta.
Silveira, da RC Consultores, afirma que é difícil apontar uma taxa de câmbio ideal para a indústria, mas desconfia que o patamar de R$ 1,95 está longe dele. Uma faixa entre R$ 1,85 e R$ 1,90, diz, poderia ser suficiente para dar algum conforto a exportadores sem prejudicar os preços de insumos. Se essa taxa mais elevada persistir, ele acredita que, mais à frente, a indústria não terá outra opção senão repassar a pressão adicional de custos aos produtos finais.
Para Quadros, da FGV, o movimento recente do câmbio deve surtir efeito maior de alta sobre os preços dos próximos IGPs, mas não é certo que os repasses cheguem ao varejo. Primeiro, porque nada indica que o dólar vai estacionar no patamar onde está. Segundo, porque a elevação de insumos é um movimento recente, e ainda não resultou em uma pressão de custos que a indústria não consiga administrar.