Em menos de dois meses, alta do dólar comeu 74% de todo o lucro obtido pelas companhias de capital aberto no primeiro trimestre
Em menos de dois meses, a dívida em dólar das empresas de capital aberto cresceu 10% e corroeu 74% de todo lucro líquido obtido no primeiro trimestre do ano. O avanço é resultado da escalada da moeda americana, que durante a semana alcançou a cotação máxima de R$ 2,10 e fechou a sexta-feira em R$ 1,998.
De acordo com levantamento feito pela empresa de informações financeiras Economática, com 233 companhias negociadas na BM&F Bovespa, o estoque de dívida em moeda estrangeira subiu para R$ 205 bilhões.
Supondo que nenhuma delas tenha feito operação de hedge para se proteger das variações cambiais, a despesa financeira no balanço deste trimestre será de R$ 17,99 bilhões. Mais da metade desse valor é da Petrobrás, segundo a Economática.
"Por ser uma operação cara, muitas empresas acabam não fazendo hedge para se proteger. Quando há uma oscilação forte do dólar, elas sofrem com o impacto no caixa", afirma o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Ernesto Lozardo.
Financiamento externo. Nos últimos anos, com o forte apetite de investidores por ativos brasileiros, muitas companhias decidiram se financiar no mercado internacional por causa dos juros mais baixos em relação aos do Brasil.
Mas, como é caro, o hedge muitas vezes anula a vantagem de uma operação no exterior e desestimula as empresas a se protegerem. Com o hedge, o custo da captação externa se iguala a uma operação no mercado doméstico, explica o sócio diretor da Capitânia Investimentos, Rodrigo Zuniga.
Algumas empresas adotam a estratégia de protegerem apenas a parte da dívida com vencimento no curto prazo. Dessa forma, limitam o impacto cambial no caixa da companhia.
Entre os setores mais endividados está telecomunicações, com um estoque de R$ 16,3 bilhões. Com base nos dados da Economática, se o balanço trimestral fechasse agora, o conjunto das empresas do segmento teria uma redução de R$ 1,4 bilhão no resultado. Esse número é reflexo do alto endividamento da Oi, cujo crédito soma R$ 12,6 bilhões.
Os grupos de companhias do setor de alimentos e bebidas e de papel e celulose aparecem em seguida com o maior volume de dívida, de R$ 15,6 bilhões e R$ 14,5 bilhões, respectivamente. Nesse caso, o impacto do câmbio no resultado trimestral seria de R$ 1,4 bilhão e R$ 1,3 bilhão, pela ordem.
Cautela. Apesar dos números bilionários, especialistas acreditam que a situação ainda é melhor do que em outros períodos recentes. Os prejuízos milionários causados pelas operações de derivativos cambiais e o fechamento do mercado de crédito na crise de 2008 deixaram as empresas um pouco mais cautelosas.
"A crise mundial trouxe um alerta para as empresas não se endividarem em moeda estrangeira além do tolerável", analisa o professor de Finanças do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Ricardo Almeida.
Apesar das inúmeras operações feitas no ano passado e início deste ano, ele acredita que as companhias não excederam seus limites. É claro que sempre há alguma empresa que extrapola a fronteira de sua capacidade. "Vejo que muitas aprenderam a se endividar", ressalta o professor do Insper.
Além disso, o movimento de alta do dólar foi uma "morte anunciada", afirma o professor da BBS Business School, Ricardo Torres. "A moeda subiu rapidamente e chegou a R$ 1,80. O Banco Central deixou claro que o dólar ia continuar subindo. Então deu tempo para muita gente se preparar."
De qualquer forma, os especialistas avaliam que se a moeda americana continuar subindo e se mantiver acima de R$ 2, a situação pode ficar mais difícil para as empresas, diz Ernesto Lozardo.
Uma cotação de até R$ 2 é bom para todo mundo, explica. "Acima disso, o Banco Central tem de adotar mecanismos para freiar a tendência de valorização da moeda."