Nada menos que 5,6 pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, cerca de R$ 254 bilhões no encerramento do primeiro semestre, separam a dívida mobiliária na carteira do Banco Central (BC) das operações compromissadas - instrumento de gestão de liquidez monetária representada por vendas temporárias de títulos públicos da carteira da instituição ao mercado financeiro.
Em dezembro de 2011, a diferença entre esses dois estoques de moeda - administrados pelo BC - era ainda maior, de R$ 409 bilhões. Naquele momento, os títulos do Tesouro disponíveis na carteira do BC somavam R$ 751,84 bilhões contra R$ 342,8 bilhões de compromissadas. A dívida em carteira está à frente das compromissadas, inclusive, porque é usada como garantia para essas operações. O blog "Casa das Caldeiras" teve acesso à carta enviada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, à diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, formalizando o pedido do governo ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para recalcular a dívida bruta.
A dívida bruta é um indicador de solvência que engloba os passivos das três esferas de governo. No documento, Mantega lembra o fato de o Brasil vir debatendo há alguns anos, com técnicos do FMI, a possibilidade de revisão metodológica do conceito de dívida bruta do país. O ministro se despede de Lagarde colocando à disposição do fundo a equipe de especialistas do governo brasileiro para continuar cooperando com o organismo internacional nessa matéria.
A avaliação é que o órgão multilateral deveria excluir do cálculo todos os títulos da carteira do BC, pois os papéis não teriam natureza fiscal. A alteração retiraria quase dez pontos percentuais da dívida bruta brasileira como percentual do PIB, para 58,7%, e tornaria o Brasil ainda mais atraente para os investidores internacionais.
O FMI já informou que vai responder no "tempo devido à carta enviada por Mantega à diretora-gerente da instituição, Christine Lagarde, pedindo as mudanças no cálculo da dívida bruta brasileira. A resposta ocorrerá depois de o fundo "revisar o assunto".
O pleito do governo brasileiro não é novo e, internamente, foi interpretado como indicação de que a administração da dívida pública pelo Tesouro e gestão de liquidez pelo BC tendem a se tornar ainda mais eficientes. Se o Tes ouro mantiver o ritmo de venda dos leilões primários de títulos federais a compradores finais visto nos últimos dois meses, as intervenções do BC para enxugar reais de circulação, em compromissadas, tendem a encolher. Esse cenário, de novo, reforça a defesa do cálculo da dívida bruta.
Economistas ouvidos pela jornalista Flavia Lima, do Valor, concordam que o pedido do governo feito ao FMI tem fundamento. Mansueto Almeida, do Ipea, considera nosso cálculo melhor do que o do FMI. Felipe Salto, da Tendências Consultoria, diz é válida a justificativa para que os títulos livres na carteira do BC não sejam considerados dívida. Margarida Gutierrez, professora de economia do Instituto Coppead e do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz ainda que a metodologia local é "bastante razoável", também porque a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) não permite que o BC emita títulos próprios.
Dessa forma, explica, o BC precisa de títulos do Tesouro em sua carteira para poder fazer política monetária por meio das chamadas operações compromissadas. "Só quando esses títulos saem do BC para o mercado tornam-se dívida, pois é aí que o taxímetro do juro começa a rodar", diz Margarida.