A caminho de se tornar uma moeda conversível internacionalmente, o yuan chinês, ou renminbi, deverá em dez anos responder por 10% do comércio mundial, e 8% das reservas em moeda estrangeira no mundo, previu o economista Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, em debate promovido pelo HSBC, à margem do Fórum Econômico Mundial.
A chamada guerra cambial, com a desvalorização de moedas dos países desenvolvidos para garantir competitividade, é um dos debates onipresentes em Davos neste ano; mas os participantes do debate do HSBC concordam que o dólar tão cedo não perderá seu papel privilegiado como referência monetária mundial.
Estudo divulgado pelo economista-chefe do HSBC, Stephen King, indica que a China já negocia 10,5% de suas transações comerciais externas em yuan, um salto desde 2010, quando os negócios em moeda nacional respondiam por menos de 3% do comércio chinês com o mundo. "A previsão é de que, em cinco anos, o yuan será totalmente conversível", disse King. Para Eichengreen, a internacionalização da moeda chinesa está "ainda em seus estágios relativamente iniciais", sem ter cumprido os pré-requisitos para a tarefa.
"São importantes três pré-requisitos: escala, liquidez e internacionalização do mercado doméstico", listou Eichengreen. A China tem grande escala, mas há dúvidas sobre a disposição em aproveitar essa vantagem, e tanto a liquidez (facilidade de realizar transações) quanto a internacionalização são questões ainda em aberto, comentou o economista. Ao defender cuidado na exposição do mercado doméstico da China à liberalização financeira, Eichengreen entrou em uma discussão com outro debatedor, o ex-vice-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) John Lipsky, para quem a liberalização pode servir de impulso para modernização do sistema financeiro da China.
"Se a política for manter a economia fechada até ter padrões financeiros internacionais, isso nunca vai acontecer", criticou Lipsky, para quem a pressão criada com a abertura financeira serviria para apressar as reformas no setor financeiro, trazendo para o sistema operações hoje realizadas fora do mercado bancário, potencialmente danosas à economia por sua falta de transparência. "Como a posição maciça que a China tem em reservas não pode ser ameaçada, sua estabilidade não pode ser desafiada pela especulação", argumentou.
Para Eichengreen, uma abertura precipitada poderia trazer turbulências inconvenientes não só ao mercado bancário, mas também a outros mercados, como o habitacional. A China vem construindo gradualmente espaço para a internacionalização do yuan, permitindo seu uso em operações comerciais, mas tem de completar tarefas como a desburocratização e redução do custo de negociar na moeda local, disse o economista. Só países com forte supervisão e regulação garantem a conversibilidade de suas moedas, acrescentou.
Tanto Eichengreen quanto Lipsky mostraram-se pouco impressionados com a perspectiva de impulso adicional à moeda chinesa com a criação de um banco dos Brics (o grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul). Também não veem muito efeito no fundo comum de reservas que Brasil e China devem anunciar em março, durante a reunião dos Brics. Embora garantam mais sustentação ao yuan, esses acordos, chamados swap de moedas, têm sido assinados pela China com parceiros na Ásia sem efeitos práticos até agora, avaliou Eichengreen.
Os economistas concordam que o dólar não sofre ameaças como moeda dominante no mercado internacional, apesar do crescimento de importância das moedas dos países emergentes (Eichengreen previu que a rúpia indiana e o real brasileiro devem se tornar conversíveis internacionalmente em 25 anos). "O que joga em favor do dólar é a falta de alternativas viáveis", argumentou Eichengreen. Em toda crise, mesmo nos EUA, as pessoas ainda correm para o dólar em busca de segurança, embora haja dúvidas, hoje, sobre a capacidade política americana de enfrentar os problemas da economia no país, afirmou Eichengreen.
Além disso, a moeda americana, usada como referência em 65% das reservas internacionais, não teria como ser abandonada em grande velocidade e volume pelos países que a usam hoje sem provocar efeitos negativos no comércio para esses mesmos países, comentou Lipsky.