O risco de a depreciação cambial contaminar a inflação preocupa menos os analistas neste momento. Embora o recuo do real tenha sido acentuado especialmente em maio, o fato deste movimento ter sido acompanhado pela queda dos preços das commodities em dólar reduz, por ora, os riscos de um repasse cambial mais forte sobre os preços ao consumidor.
Os temores em relação ao tamanho do repasse cambial aos preços ganharam força após uma queda do real de 6,6% apenas em maio. Do piso da moeda brasileira, em 13 de março quando atingiu R$ 1,9470 por dólar, a seu teto, a R$ 2,1430 no último dia 31, a desvalorização chegou a 9,1%. No ano até maio, a queda do real é menos acentuada, de 4,7%. E o CRB, índice que reflete os preços internacionais de commodities, caiu 3,08% em dólares, em igual período.
O repasse, diz o economista do Itaú Unibanco, Felipe Salles, não é imediato, levando algo entre dois a três meses, em média, para começar a refletir na inflação. Isso porque os agentes, explica o economista, precisam de algum tempo para saber se a variação cambial é permanente ou apenas um ruído. "Também acho que pegar a mínima do real não seria a conta mais correta, seria melhor pegar um valor mais suavizado".
Mesmo considerando que a alta mais recente do dólar com relação ao real não tenha sido apenas um ruído, os números não assustam. Estimativa da Tendências indica que para cada alta de 10% no câmbio, há um incremento de 0,38 ponto percentual na inflação. A consultoria olha, porém, o resultado líquido entre as variações do câmbio e das commodities em dólares sobre os preços porque o impacto das commodities é muito significativo, explica a economista da Tendências, Alessandra Ribeiro.
Uma simulação feita pela consultoria com base em um modelo trimestral de sensibilidade do repasse do câmbio para a inflação aponta que, em abril, a queda de 0,2% da taxa média de câmbio em relação ao câmbio médio registrado no primeiro trimestre teve uma contribuição de alta de apenas 0,01 ponto sobre os preços. Levando-se em conta a variação dos preços das commodities em dólar no mesmo período, no entanto, o quadro é ainda mais tranquilizador. Na média de abril em relação ao primeiro trimestre, período em que os preços das commodities recuaram 1,3%, a contribuição cambial foi de queda de 0,04 ponto sobre os preços.
Em maio, quando a depreciação do real foi maior, de 2,4% em relação à taxa média do trimestre encerrado em abril, a contribuição do câmbio para a inflação em igual período foi um pouco mais forte, de 0,09 ponto. Considerando as commodities, que caíram 1,1% no período, essa contribuição de alta desacelera para 0,05 ponto. E se os preços internacionais das commodities permanecerem nos níveis de maio, com um câmbio ao redor de R$ 2,15 até o fim do ano, Alessandra calcula que o "pass-through" (o repasse cambial aos preços) no ano com relação ao primeiro trimestre do ano não deve passar de algo ao redor de 0,06 ponto.
Para Alessandra, o que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, está querendo dizer quando indica que a desvalorização do real terá impacto limitado na inflação, é que não está vendo um cenário de commodities em alta o que, de fato, afirma, parece bem razoável. Ela avalia que hoje o movimento é levemente inflacionário porque o real está andando um pouco mais do que as commodities estão caindo. Mas muito menos do que seria se fosse um problema específico do Brasil. "Quando o estresse é com o país, com a piora de gestão macro ou microeconômica causando retirada de recursos, o impacto do câmbio [na inflação] é muito maior" diz. A grande diferença, afirma, é que o movimento hoje é global, com a alta do dólar sendo compensada pela queda dos preços das commodities.
Luciano Sobral, sócio da gestora de recursos FRAM Capital, diz que está difícil entender o impacto do câmbio sobre a inflação. Entre janeiro e abril, lembra, o câmbio reverteu a alta provocada pelo próprio BC no fim de 2012, período em que se acreditava que o câmbio era instrumento de controle da inflação. "Na semana passada de fato aparentemente isso mudou", diz. Para Sobral, também parece razoável supor que a queda dos preços de commodities em dólares anularia, em parte, o efeito da depreciação do câmbio. Outro motivo para acreditar que o câmbio não vai mexer tanto com os preços, diz ele, é que o principal foco de inflação são os serviços, cotados em reais.
Relatório recente do Nomura Securities conclui os impactos do câmbio sobre os preços caíram marcadamente na América Latina desde que os países adotaram o regime de metas de inflação, o que abriria espaço para políticas monetárias menos dependentes do câmbio. No Brasil, o pass-through (considerado pelo banco como a resposta dos preços aos consumidor nos 24 meses seguintes a uma depreciação de 1% da moeda local) caiu de uma média de 0,42 ponto no período anterior à adoção do regime de metas para 0,10 ponto.