Para conter a intensidade da desvalorização do real, as autoridades brasileiras deveriam se focar no controle da inflação e na recuperação da credibilidade fiscal, e não em medidas de intervenção no mercado, cujo efeito é restrito ao curto prazo. Essa é a opinião de José Luiz Rossi Júnior, professor do Insper e doutor em economia pela universidade de Yale.
Segundo o economista, o amplo déficit em conta corrente e a inflação alta estão entre os problemas domésticos que têm alimentado o pessimismo dos investidores com o país. "Essa conjunção de fatores faz com que o Brasil seja o país que mais sofre nesse processo global", disse Rossi, referindo-se ao movimento de desvalorização das moedas emergentes provocada pela expectativa de redução dos estímulos monetários do Federal Reserve, o banco central americano.
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:
Valor: O Banco Central (BC) anunciou um programa de leilões de swap que durará até o fim do ano. Isso será suficiente para conter a volatilidade do real?
José Luiz Rossi Júnior: Intervenções no mercado cambial tendem a ter um efeito no curto-prazo, reduzindo a volatilidade da taxa de câmbio, mas são incapazes de conter o processo. Ou seja, quando houver uma nova notícia ruim, o mercado voltará a ficar nervoso e consistentemente irá testar o BC.
Valor: O que deveria ser feito agora?
Rossi: Neste momento, o BC e a autoridade fiscal deveriam se focar em melhorar a qualidade da política macroeconômica brasileira, retomando o tripé que sustentava a economia: meta de inflação - e não o teto da banda -, câmbio flexível e superávit primário. O BC deve trabalhar para conter as expectativas de inflação através de seu instrumento principal, a taxa de juros. O governo deve se preocupar em retomar a credibilidade da política fiscal. Isso é muito mais produtivo que qualquer intervenção no mercado.
Valor: Por que o real tem caído mais que as demais moedas emergentes em relação ao dólar?
Rossi: O real está sendo o mais prejudicado por vários fatores. Primeiro, há o fato de o Brasil de ser um mercado mais líquido, ocupar uma posição de relevância no mercado financeiro e, por isso, ser um país que naturalmente sofre mais em momentos como este. Mas há também a questão doméstica. Os países que mais sofreram são aqueles classificados pelo mercado como os mais problemáticos, que têm alto déficit em transações correntes e inflação elevada. Essa conjunção de fatores faz com que o Brasil seja o país que mais sofre nesse processo global.
Valor: A desvalorização cambial já está sendo repassada para a inflação?
Rossi: O repasse da desvalorização para a inflação acontece. A questão é em qual ritmo, e isso depende de como os agentes percebem os choques. Se o câmbio ficar persistentemente nesse nível mais desvalorizado, os agentes vão repassar. A atuação da autoridade monetária e do governo é que determinam o ritmo desse repasse.
Valor: Há um pessimismo exagerado do mercado com o Brasil ou os fundamentos da economia justificam a aversão dos investidores?
Rossi: Todo movimento de câmbio sempre é um "overshoot". É normal haver, em um primeiro momento, um "exagero", pois a aversão ao risco aumenta muito. Historicamente, sempre foi assim. Em que patamar o real vai se estabilizar agora, isso ainda não está determinado. A reação do BC e do governo, o ritmo de desaceleração dos estímulos do Fed e o impacto disso no cenário global são os fatores que vão ditar o novo valor de equilíbrio do câmbio.
Valor: A centralização do câmbio seria uma alternativa viável?
Rossi: Não, isso é loucura. Isso seria o pior dos mundos. O Brasil se fecharia mais, o mercado ficaria mais ilíquido. Isso é voltar para o século passado. Espero que ninguém faça isso.
Valor: Faria sentido impor novos controles de capital?
Rossi: Sempre é uma opção, mas não é uma opção ótima. Boa parte desse ritmo de desvalorização do real é consequência de controles de capitais feitos no passado para conter uma apreciação. Hoje, não haveria nenhum tipo de ganho [ao impor controles] dado que esse é um choque global. Você pode até conter o ritmo, mas ao mesmo tempo você vai perder credibilidade com o mercado. O melhor é o BC focar na inflação e a autoridade fiscal em ganhar credibilidade.