A construção de uma nova taxa referencial com prazo de 90 dias a partir das operações realizadas entre o Banco Central e as instituições financeiras deve estimular toda uma nova forma de o mercado trabalhar com as expectativas de juros no país. Por tabela, a iniciativa também tem como foco dar um fim à cultura do "overnight", um resquício dos tempos hiperinflação que persiste ainda hoje.
O BC iniciou há seis meses um processo de alongamento das operações compromissadas, na qual a autoridade monetária vende títulos federais de sua carteira com a garantia de recompra no futuro, a uma taxa prefixada. Desde a quinta-feira da semana passada, o BC passou a promover ofertas diárias de compromissadas com prazo de 90 dias, conforme informou o Valor na edição de ontem.
O objetivo é construir uma taxa de referência nas operações com esse prazo, cujo risco é soberano, e diminuir o volume de recursos tomados pelo prazo de um dia das instituições financeiras. Do volume de R$ 687 bilhões em compromissadas, quase 70% já se encontram em prazos de 90 e 180 dias.
Um dos desafios do mercado financeiro é justamente criar instrumentos que permitam aos bancos que "travaram" a taxa com o BC por pelo menos três meses se protegerem de oscilações na taxa básica de juros (Selic).
Os negócios que refletem a expectativa dos investidores sobre a política monetária estão concentrados no contrato de DI futuro negociado na BM&FBovespa. Como essa taxa é formada a partir das operações interbancárias com prazo de um dia, acaba não refletindo a posição que os bancos detêm em compromissadas. Em outras palavras, a taxa de um DI com vencimento em três meses indica o juro médio esperado para todo o período, e não apenas na data final.
A BM&FBovespa já anunciou a intenção de criar, ainda neste ano, novos derivativos de taxa de juros com prazos de três e seis meses, conforme publicou o Valor em fevereiro. A bolsa não deu detalhes sobre a iniciativa, mas a referência dos contratos deve ser justamente a taxa das operações compromissadas realizadas pelo BC.
Para um experiente executivo, porém, a simples criação de novos contratos pela bolsa não é suficiente para mudar a cultura dos investidores. "Não é fácil criar liquidez no mercado. É preciso encontrar uma forma de estimular a migração dos negócios que hoje estão no DI", afirma.
A fonte, que pediu para não ser identificada, citou o exemplo do recente contrato futuro de Selic criado pela BM&F. "Apesar de ser uma forma melhor de se posicionar em relação à expectativa das decisões de política monetária, a liquidez permanece no DI", diz. Mesmo com os estímulos dados pela bolsa, como a isenção de tarifas para quem migrasse do DI, o novo derivativo praticamente não registra negócios.
A criação de uma curva de juros no mercado para a taxa referencial de 90 dias é vista pelo executivo como fundamental para o sucesso da estratégia do BC. Não por acaso, a autoridade monetária acompanhou de perto a criação do novo derivativo pela bolsa e, inclusive, se reuniu com participantes de mercado pouco antes do início dos negócios com o contrato.
Segundo um profissional de mercado, o BC demonstrou insatisfação com a falta de adesão ao futuro de Selic nos encontros que promove com os chamados dealers, instituições credenciadas a operar em nome da autoridade. "Enquanto não houver liquidez, ninguém quer se arriscar a entrar em uma posição em juros sem saber se poderá sair depois", afirma.
Além de livrar a economia da correção diária, o governo espera que as taxas prefixadas de 90 e 180 dias substituam gradativamente o DI como indicador de referência em outros contratos, como a dívida de empresas. Quase 90% do total de R$ 1,7 trilhão em títulos privados em circulação no país possui correção pelo DI. O governo já sinalizou mudanças na tributação que devem penalizar aplicações com correção por taxas diárias.