Celita de Jesus Souza, de 29 anos, sabe bem como é necessário se dedicar ao trabalho para aumentar a renda da família. Passou por momentos de fome na infância e mesmo com toda essa dificuldade, a empreendedora individual faz hoje parte da maior parcela da população: a classe média.
A trabalhadora mora em Nova Palestina, na região da Grande São Pedro. Ela integra um grupo de pessoas da classe C que residem em regiões de periferia.
Segundo dados do IBGE, metade da população de favelas e morros pertence à nova classe média. Em 2010, de acordo com o IBGE, cerca de 3 milhões de pessoas moravam em regiões chamadas aglomerados subnormais – favelas, invasões, grotas, comunidades, baixadas ou vilas. Aproximadamente, 1,6 milhão dessas casas são de famílias de classe média. O curioso é que essas pessoas nem sempre se enxergam como parte da classe C.
No caso de Celita, ela viveu num lugar ainda mais pobre. Migrou do estado de extrema pobreza para uma vida de conforto há dois anos quando saiu de Ilhéus, na Bahia, para encontrar oportunidades em Vitória.
Na sua cidade natal, Celita e seu marido, Robson Coser, de 29 anos, chegaram a ter que sustentar dois filhos com uma renda mensal de R$ 50. Hoje, eles têm ganhos bem mais altos. Em meses de vacas gordas, conseguem faturar até R$ 8 mil. Com recursos, oferecem aos seus filhos a oportunidade que não tiveram durante a infância e a adolescência: de estudar e de fazer cursos técnicos.
A situação financeira dessa família começou a melhorar quando Celita deixou o emprego numa pizzaria para abrir duas lojas de roupa, na Região de São Pedro. Robson continuou com o emprego de segurança para dar sustentabilidade ao negócio.
Em 11 meses, o casal conseguiu comprar a casa própria e ainda investir em mais dois imóveis. "Compramos as casas por um preço que não compraríamos em outros bairros. Em um dos imóveis, fizemos duas quitinete com a intenção de alugar. A outra residência também foi locada", diz Celita.
Apesar de estar num bom momento, o casal acredita não pertencer à classe média. "Trabalhamos de domingo a domingo. Não temos folga nem feriado. Isso não é vida de classe média", diz Robson.
Para ele, sua família só será classe média depois que tiver dinheiro para adquirir um carro e mantê-lo. "Ainda ando de ônibus e preciso trabalhar muito para pagar um dos imóveis que compramos", diz Robson.
Hoje, os critérios para avaliar se uma família é classe C vai além do local onde mora. Os institutos de pesquisa levam em conta o padrão de vida desse público, os itens de conforto do lar e as expectativas de crescimento. Já o governo ver na renda per capita familiar um quesito para definição das classes sociais do país.
O presidente do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), Marcelo Neri, explica que hoje são usadas três dimensões para enquadrar alguém numa classe social.
"O primeiro critério é a renda. O segundo é o capital social daquela família, se ela tem casa própria, eletrodomésticos, equipamentos eletrônicos, computador e qual o nível de instrução do chefe do lar. O terceiro item é o plano de ascensão social", diz.
Segundo Neri – que era professor do Centro de Politicas Sociais da Fundação Getúlio Vargas e autor de vários livros sobre o tema –, a classe C brasileira é a que a está mais uniforme com o perfil mundial.
"Muitas pessoas têm um olhar americano ou europeu para a classe média. Lá, as famílias têm dois cachorros, dois carros e um alto padrão de vida. Aqui e no restante do mundo, a classe C tem dois filhos e uma renda muito menor, mas nem por isso ela deixa de ser classe média. Seria preconceito não enquadrá-las nesse grupo", afirma.
Entre os trabalhadores que já foram considerados pobres, mas que hoje pertencem a classe C estão os garis, as empregadas domésticas, as faxineiras e os garçons, como Wando Alves da Cruz, de 23 anos.
Ele veio de uma família com renda baixa. Começou a trabalhar bem cedo para ajudar a família. Com o salário, fez cursos na área de barman e hoje é gerente do restaurante Caieiras, na Ilha das Caieiras em Vitória.
Ele e sua esposa, juntos, têm uma renda mensal de R$ 4 mil. "Hoje, tenho um novo padrão de vida. Consegui comprar um lote, construir minha casa no bairro Nova Canaã, em Cariacica. Tenho carro e uma situação estável. Antes, eu não tinha condição nem de ir a um shopping. Agora, podemos ir passear com a família. Acho que pertenço sim a classe média", diz.
Wando conta que o avanço das suas finanças permite ter acesso a alguns serviços essenciais, antes impossíveis de se usufruir, como plano de saúde. "Meu padrão de vida melhorou tanto que até consigo juntar dinheiro para realizar planos futuros".
A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), da Presidência da República, tem adotado uma definição específica para analisar a classe média. O órgão dividiu o público em três grupos: a baixa classe média, composta por pessoas com renda familiar per capita entre R$ 291 e R$ 441; a média classe média, com renda compreendida entre R$ 441 e R$ 641; e a alta classe média, com renda superior a R$ 641 e inferior a R$ 1.019.
Uma novo país
O Brasil por muitos anos era visto como um país de alta desigualdade social. No passado, 10% da população concentrava 40% da renda nacional. E as diferenças estão cada vez mais se diluindo com o desenvolvimento da economia.
Durante os últimos 10 anos, o Brasil viveu melhorias sociais significativas. A educação começou a atingir a um maior número de cidadãos. A questão demográfica também foi decisiva para que muitas famílias deixassem a pobreza para serem consideradas classe média.
Com um perfil mais jovem, o país passou a ter uma população economicamente ativa muito maior, o que trouxe dinamismo às rendas das famílias.
Apesar de a desigualdade social ter reduzido, o país ainda precisa investir no crescimento econômico das famílias. Dados da SAE apontam que hoje apenas 1% da população do país tem renda per capita superior a R$ 5 mil; 5% possuem renda per capita de R$ 2,5 mil; e 10% conseguem viver com renda de R$ 1,6 mil a R$ 2.480.
Espírito Santo
Segundo a economista Ana Paula Vescovi, no Espírito Santo, se a economia continuar a crescer, existirá uma tendência para que muitas famílias da classe D migrem para a classe média.
"Este ano, a economia capixaba crescerá menos. Mas depois de uma recuperação será possível observar um momento sustentável de expansão da classe média", diz.
Dados do IBGE, revelam que renda média do capixaba em setembro do ano passado alcançou R$ 781, alta real de 47% em relação a 2001, quando era de R$ 532. Entre 2009 e 2011 a tendência persistiu, e a renda cresceu 9,6%.
As transformações do Estado são tão intensas que podem ser observadas com um aumento da renda das famílias. O Espírito Santo deixou de ter a maior incidência de pobreza (33%) para ter o menor índice (10%) da Região Sudeste.
Análise: De São Pedro à Praia do Canto
Arilda Teixeira
professora da Fucape e doutora em Economia
A classe média é o segmento que abriga hoje a maior parte da população do país. É um grupo de pessoas que está no meio da distribuição de renda. O interessante disso é que o Brasil conseguiu formar uma classe que não é pobre nem rica. Podemos ver aí uma redução da desigualdade social. Antes, os brasileiros eram classificados dessas duas maneiras e está aí a dificuldade para entender a classe C. Para muitas pessoas, ainda não está clara essa segmentação. Muitas famílias acreditam ainda serem pobres mesmo pertencendo a classe média. Outra questão que chama atenção para a classe média é que ela não tem um local específico para morar. Ela pode estar em bairros nobres e regiões de periferia. Uma família classe C, por exemplo, pode viver na Praia do Canto e uma outra com a mesma renda em São Pedro. No médio prazo, ascensão da classe C será ainda maior. Muitas pessoas vão continuar a migrar da classe D para a C.