A diferença ("spread") entre o resultado esperado para a bolsa e os juros reais pode indicar a tendência para a bolsa. Veja como se comportou essa variável nos últimos três anos.
Um dos múltiplos mais utilizados pelos analistas é o Preço por Lucro (P/L). O P/L representa o número de anos necessários para se obter o valor pago pela ação por intermédio dos lucros distribuídos, desde que atendidas algumas premissas: i) todo o lucro seja repassado aos acionistas, ii) os resultados dos próximos anos sejam iguais aos do ano base e iii) a cotação não se altere. Em
regra se utiliza o lucro estimado para os próximos anos. Neste artigo, utilizei a projeção de lucro do Ibovespa para 2012 coletada dos analistas de mercado pelo sistema de análise fundamentalista S&P Capital IQ.
Caso usemos o inverso do P/L (1/P/L), teremos o retorno anual esperado para a bolsa. Nessa conta não é levada em consideração a eventual apreciação da ação. O ganho do papel viria apenas da distribuição do lucro como dividendos desde que as premissas listadas sejam atendidas.
Para cálculo dos juros reais, adotei a Selic definida pelo Banco Central tributada a uma alíquota de imposto de renda de 15% menos a inflação medida pelo IPCA dos últimos doze meses. A diferença ("spread") entre o retorno do mercado acionário dado pelo inverso do P/L e os juros reais indica o prêmio exigido pelos investidores para aplicar em bolsa, deixando o conforto da renda fixa. Grosso modo, podemos chamar esse "spread" - o retorno esperado do mercado acionário acima da rentabilidade do ativo livre de risco -, como "market premium". Outra forma, mais ortodoxa, para calculá-lo a posteriori é considerar o ganho da bolsa em um determinado ano e subtrair a rentabilidade de um ativo livre de risco, por exemplo, o do título público federal vinculado à Selic, a LFT.
Nos últimos três anos o "spread" máximo de 9,79 pontos percentuais (pp) ocorreu em agosto de 2011 e o mínimo de 3,79 pp, um ano antes, em agosto de 2010. Atualmente, o P/L do Ibovespa de 10,6x indica um retorno esperado de 9,4% (1/10,6). Esse retorno menos os juros reais atuais de 3,1% mostra um "spread" de 6,34 pp, próximo do "spread" médio dos últimos três anos de 5,76 pp. Assim, caso considerássemos premissas como o "spread" médio do período e os juros reais atuais, a bolsa poderia se apreciar 7%, atingindo um P/L de 11,3x.
No post "Análise por múltiplo P/L indica que bolsa não está cara", de 23/03/12, mostrei a relação entre o P/L do Ibovespa, considerando o lucro estimado para 2012, e o P/L do S&P500, bem como a relação atual do P/L da bolsa brasileira vis-à-vis a média dos últimos três anos. No fim de março, a conclusão foi de que o P/L atual de 11x negociava com desconto para o P/L médio do período de 11,4x. Em relação ao S&P500, o Ibovespa também apresentava desconto - 16,5%. No artigo fiz a provocação: "faz sentido a bolsa brasileira negociar com desconto em relação à bolsa americana tendo em vista a dinâmica
atual das duas economias?".
As duas análises indicam que a bolsa brasileira não se encontra cara. Na pior das hipóteses, estaria negociando no preço justo. O "market premium" atual ainda se encontra acima do médio dos últimos anos, o que sinaliza uma possível redução no médio prazo e, por consequência, uma apreciação da bolsa. E, por fim, o P/L do Ibovespa ainda negocia com razoável desconto para o da bolsa americana.