Embora com eficácia menor após o pico de vendas observado em agosto, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) reduzido para automóveis ajudou novamente a atividade no último trimestre do ano passado, mas coloca dúvidas quanto a um cenário de retomada gradual da economia a partir do início de 2013. Os analistas ainda não contam com boa parte dos indicadores antecedentes de atividade para fazer suas projeções, mas há a percepção de que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) pode perder fôlego no primeiro trimestre, já que boa parte da demanda por automóveis foi antecipada para 2012. Além disso, o risco de racionamento colocou um elemento a mais de incerteza no cenário.
Além do "efeito ressaca" no setor de veículos, alguns economistas afirmam que o comprometimento de renda, que vem recuando lentamente, mas ainda está em patamar elevado - era de 21,5% do rendimento mensal das famílias em outubro, segundo o último dado disponível do Banco Central - seria outro entrave a uma demanda mais robusta no começo do ano. Os consumidores que compraram automóveis no ano passado fizeram novas dívidas de longo prazo e, para equilibrar as contas, podem diminuir as compras de outros bens de menor valor.
O IPI de automóveis 1.0 passou de zero para 2% e permanecerá com essa alíquota até março. Foi definido que, a partir do segundo trimestre, o IPI de veículos populares avançaria para 3,5%, chegando à alíquota normal, de 7%, em julho. O mesmo ocorrerá para os demais modelos, com diferentes alíquotas. Na primeira quinzena de janeiro, a média diária de licenciamentos de automóveis e utilitários leves subiu 16%, segundo cálculos dessazonalizados pela LCA Consultores, após alta de 12% em dezembro.
"As montadoras podem ter formado estoques de carros faturados com IPI reduzido, o que deve ter dado um alento maior às concessionárias", diz Braúlio Borges, economista-chefe da LCA, para quem vendas efetuadas em dezembro e faturadas no mês seguinte também podem ter influenciado o resultado positivo.
No primeiro trimestre, Borges avalia que o consumo das famílias irá crescer menos em função da volta escalonada do IPI, mas trabalha com avanço de 1% do PIB no período, semelhante ao projetado para o último trimestre do ano passado, impulsionado por uma retomada do investimento, da indústria e por safras melhores que puxarão o PIB agropecuário.
Outro risco - por enquanto mais psicológico que efetivo - vem do cenário energético. Ontem, o Comitê de Política Monetária (COPOM) indicou na ata que vê descompasso entre oferta e demanda, em áreas específicas. Para Borges, energia pode ser uma das áreas para as quais o Banco Central está olhando.
Segundo Alexandre Andrade, da Votorantim Corretora, os dados de emplacamentos da primeira quinzena do mês "são um ótimo sinal", mas ainda é cedo para extrapolar o comportamento favorável das vendas para fevereiro e março. Assim, mesmo suspeitando que esse crescimento possa ser maior, o economista prefere manter sua estimativa para a alta do PIB no primeiro trimestre em 0,6%, o que representaria desaceleração em relação ao 1% esperado para os últimos três meses de 2012.
Thiago Carlos, analista da Link Investimentos, projeta que a economia ganhou tração no quarto trimestre de 2012, com alta de 1,2% no PIB frente o trimestre anterior, feitos os ajustes sazonais, mas acredita que esse ritmo será reduzido a 0,2% nos primeiros três meses do ano, como reflexo principalmente de uma moderação no consumo de automóveis.
Como uma fatia relevante dessas vendas foi fechada no terceiro trimestre, já que o IPI reduzido, inicialmente, vigoraria até agosto, o economista calcula que a comercialização de veículos recuou quase 8% nos últimos três meses do ano, com base em dados da Anfavea dessazonalizados pela Link. Mesmo assim, diz Carlos, o fato de o benefício fiscal ter vigorado até 31 de dezembro ainda "roubou" algum consumo que poderia ser feito em 2013 e, com isso, as vendas de carros podem cair ainda mais no primeiro trimestre, cenário que também pode puxar a produção automobilística para baixo.
Para Fabio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores, o consumo ainda será forte em 2013, já que o desemprego segue nas mínimas históricas e favorece reajustes salariais acima da inflação, mas a retirada do desconto no IPI pode atrapalhar ainda mais a retomada da indústria, que já é lenta e frustrou expectativas nos últimos três meses de 2012. "Como a indústria está fragilizada, não descarto a hipótese de que essa volta progressiva do IPI seja interrompida", diz. Seu cenário base, no entanto, é de aceleração maior da economia no primeiro trimestre. "Mas é uma recuperação um pouco mais hesitante, sujeita a um esfriamento."
O economista-chefe do banco ABC Brasil, Luís Otávio Leal, também aposta em ritmo mais forte da atividade nos primeiros três meses, mas afirma que o principal risco à concretização desse cenário é que a indústria vire o ano com acúmulo excessivo de estoques, como ocorreu na passagem de 2011 para 2012. "A maior virtude do IPI reduzido foi diminuir os estoques da indústria, que poderiam demorar de seis a nove meses para serem diluídos", observa Leal.
O analista do ABC acredita que o processo de formação de estoques foi menor, já que as expectativas de crescimento para 2013 estão em patamar mais "realista". Por outro lado, o término do IPI reduzido pode ter funcionado como um incentivo para que a indústria automobilística tenha produzido mais que o necessário no fim do ano passado, o que pode afetar a produção neste início de ano.