A taxa Selic deve cair mais 0,75 ponto percentual na semana que vem, para 9% ao ano, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). E, assim, deverá encerrar o ciclo de alívio monetário iniciado em agosto do ano passado e que totalizará 350 pontos-básicos. Essa é a visão da maioria dos 32 entrevistados pelo Valor, que também acredita que o juro deverá permanecer nesse nível, pelo menos, até dezembro. Mas, diante dos recentes dados de inflação e, principalmente, da clara disposição do governo em estimular a atividade econômica, boa parte desses profissionais não descarta um corte ainda mais forte.Dos profissionais ouvidos, três já trabalham com uma Selic de 8,75% ao ano a partir de maio. E alguns deles, mesmo mantendo a projeção em 9%, consideram plausível que a Selic atinja um nível inédito, de 8,50%.
A taxa em questão, de 9%, não foi arbitrada pelo mercado. A aposta se formou basicamente em resposta à sinalização da ata do Copom, que "atribui elevada probabilidade à concretização de um cenário que contempla a taxa Selic se deslocando para patamares ligeiramente acima dos mínimos históricos, e nesses patamares se estabilizando". A mínima histórica é de 8,75%, registrada em julho de 2009.
Nas últimas duas semanas, entretanto, a surpreendente queda da inflação corrente, o discurso tranquilo do Banco Central em relação ao rumo da inflação em 2013 expresso no Relatório de Inflação e, sobretudo, a disposição do governo Dilma de fazer a economia crescer alimentaram a aposta de que esse piso da Selic poderá ser rompido. Essa ideia chegou a ser totalmente considerada no preço dos juros futuros, onde as taxas sofreram uma queda expressiva. Para se ter uma ideia, a taxa do contrato de DI para janeiro de 2013, que reflete a aposta para o rumo da Selic até o fim do ano, recuou de 8,92%, no dia 29 de março, quando foi publicado o Relatório de Inflação, para 8,71% ontem.
"O arrefecimento da inflação corrente e a fragilidade do cenário externo, onde a Europa está em recessão e a China em seu pior momento econômico, deixam aberta a possibilidade de que o ciclo não se encerre em abril", afirma Marianna Costa, economita-chefe da Link Investimentos. "Mas a inflação ainda acima do centro da meta é o que gera a percepção de que os juros terão de subir em meados do próximo ano", acrescenta.
O que limita o avanço das projeções dos analistas, entretanto, não é a inflação que, curiosamente, deixou de gerar preocupações tão intensas. Agora, o que recebe mais destaque são dificuldades classificadas como estruturais para a prática de juros mais baixos no Brasil. O rendimento praticamente fixo da caderneta de poupança, que se tornará uma vedete entre as aplicações caso a Selic encoste em 8,50%, é apontado como a principal questão a ser equacionada pelo governo.
A queda da Selic abaixo de 9% é possível, na avaliação de Octavio de Barros, diretor de pesquisas econômicas do Bradesco, dependendo do ritmo da atividade. Mas ele reconhece que as medidas de estímulo tomadas pelo governo conspiram contra uma taxa menor. "No entanto, se a atividade decepcionar e as expectativas de inflação seguirem melhorando, as chances de Selic a 8,50% aumentam", diz Barros, para quem o rendimento da poupança não é "necessariamente" um empecilho para a queda do juro básico.
"O governo provavelmente vai decidir [sobre que atitude a tomar] a partir do monitoramento atento da migração dos fluxos de fundos para a poupança. Contudo, parece inevitável que uma Selic em patamar mais próximo de 8% provoque algum movimento migratório importante de fundos. E o governo deverá ter alguma bala na agulha preparada para disparo caso isso ocorra", alerta.
Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco, concorda com Barros quanto às condições que podem levar a Selic a um patamar menor e lembra que a indicação do BC de que o ciclo de queda vai terminar com a Selic "ligeiramente acima da mínima histórica" depende dos dados de atividade e inflação. "Dado que a inflação surpreendeu para baixo no primeiro trimestre deste ano e a atividade ainda não retomou para o ritmo desejado, existe, sim, um risco alto de o BC acabar optando por cortar a taxa Selic para 8,5% na reunião do Copom em maio", afirma o economista, que vê necessidade de alteração na estrutura da caderneta de poupança para permitir a convergência da taxa Selic para patamares menores.
Para Marcelo Carvalho, economista-chefe do BNP Paribas para a América Latina, a correção da poupança é um impedimento de "cunho institucional" para a queda da Selic. Mas ele cita outro impedimento, de "cunho conceitual", para um juro mais baixo no Brasil. E avalia que, a julgar pelos documentos do BC, como o Relatório de Inflação, a Selic não deveria sequer ter chegado aos atuais 9,75%, quanto mais aos possíveis 9% na semana que vem. "Das duas uma: ou o BC não acredita nos próprio modelos ou a meta central de inflação não é para valer. Isso porque o seu modelo de projeções mostra inflação superior a 5% no ano que vem. Concordo que política monetária é um misto de ciência e arte. Mas parece que estamos usando mais arte e, quanto mais isso acontece, menos relevantes se tornam as projeções do BC", afirma o economista do BNP, que considera esse cenário grave. "Nesse ambiente, ancorar expectativas é difícil e elas estão desancoradas até 2016. Se o BC dá menos importância a essa ancoragem, ele adota uma abordagem bem arriscada", comenta.
Na outra ponta, está o economista-chefe do Banco Pine, Marco Maciel, um dos três a prever mais uma queda da Selic em maio, de 0,25 ponto, o que levaria a taxa para 8,75%. Ele diz que só não reduz ainda mais sua projeção, para 8,50% ou 8,25%, por causa da projeção da inflação para 2013, que segue acima do centro da meta no cenário do Banco Central. "Eu olho mais para a inflação do ano que vem do que para a caderneta de poupança como limite para a queda do juro", diz. Mas ele reconhece que há sinais positivos da inflação corrente que podem provocar alívio nas projeções. Se isso ocorrer, diz, então, será possível pensar em um juro mais baixo. "Se as condições mudarem, não vejo problemas em o Banco Central agir de forma diferente do que indicou na última ata e reduzir a Selic para baixo do nível histórico", diz.