O conselheiro federal Sebastião Demuner concedeu uma entrevista ao programa Bom Dia ES, da TV Gazeta, afiliada da rede Globo no Espírito Santo. O economista foi convidado para falar sobre a forte queda na bolsa de valores da China, que no dia anterior afetou os mercados do mundo inteiro. Leia abaixo o texto da entrevista, que pode ser assistida clicando AQUI.
Mario Bonella: Foi notícia no mundo todo ontem a queda nas bolsas de valores. O medo é que a economia da China comece a bambear. Isso afeta o Brasil, afeta o Espírito Santo, nós que exportamos muitos produtos para a China: bloco de rocha, minério de ferro, celulose, a China compra produtos que movimentam a economia do estado. O economista Sebastião Demuner, do Conselho Federal de Economia, vai nos explicar o que está acontecendo e de que maneira podemos ser afetados. Bom dia, Sebastião.
Sebastião Demuner: Bom dia.
MB: Sebastião, eu fico imaginando quem viu as notícias ontem e fica pensando assim: "eu não tenho ação de empresa, eu não coloco dinheiro em bolsa, isso não vai mexer com a minha vida". Quando vemos que a bolsa da China despencou 7 pontos, a Bolsa de São Paulo 3, afeta a vida de todos?
Demuner: Com certeza. Quando eu tenho um problema econômico como este, afeta desde aquela senhorinha que vai comprar o pão francês todos os dias, até grandes empresários, grandes indústrias do mercado nacional, indústria de confecção, indústria da construção civil, afeta a economia como um todo.
MB: Por quê?
Demuner: As nossas exportações serão afetadas porque o crescimento da economia chinesa, por exemplo, está diminuindo, e se diminuirmos as exportações, automaticamente diminuirá também nossa arrecadação, vai ter problema de câmbio, problema no eixo central da economia e vai acabar afetando toda a economia.
Tatiane Braga: Gera também uma sensação de incerteza na economia mundial?
Demuner: Esse é o grande problema. Nós tínhamos um problema endógeno, que na semana passada estávamos discutindo, que é o ajuste fiscal. Nós estávamos sem competência de resolver este pequeno problema que nós tínhamos aí, que é um problema político que está gerando um problema econômico. No geral a nossa economia organizada, o setor bancário é um setor organizado, o setor elétrico é um dos melhores do mundo, agora nós temos um problema externo e quando há um problema externo como esse não tem muita margem de manobra. É um problema que vem de fora, um problema mundial que a margem de manobra do governo, eu percebo, é muito pequena.
MB: A dúvida que eu ouvia dos outros economistas é se a economia da China está bambeando ou se está se adequando, porque cresceu em níveis muito difíceis de crescer, 10%, 11% ao ano, e agora não estava crescendo tanto, mas continuava crescendo 4%, 5%, 6%. Já existe uma resposta para esta dúvida? A economia da China está em dificuldade ou está apenas se adequando?
Demuner: Existe toda uma incerteza em relação a isso. Enquanto a economia chinesa estava crescendo muito, existiu no Brasil uma "farra" nas commodities, digamos assim. Tudo o que se produzia aqui nós conseguíamos vender para a China, tudo eles compravam de nós.
MB: Pode explicar o que são commodities?
Demuner: Commodities são um conjunto de produtos, por exemplo, commodities agrícolas, commodities de ferro e aço, são um conjunto de produtos que tudo o que nós produzíamos, conseguíamos repassar para o mercado chinês.
MB: Que se exportam em grande volume?
Demuner: Que se exportam em grande volume. Com a redução do PIB da China, nossas commodities vão reduzir as vendas e nós vamos ter problemas internos, principalmente o nosso estado, que é um estado tipicamente exportador, 70%, 60% da nossa economia é voltada para a exportação, e nós vamos ter problemas com a economia, repasses para os municípios, o governo vai ter que fazer todo o seu planejamento para este ano e até para o ano que vem.
MB: Essas empresas que vendem minério, por exemplo, elas vão vender menos, vão pagar menos impostos e vai ter menos dinheiro para investir no bem social.
Demuner: Perfeito, este é o raciocínio. É um raciocínio até muito simples. Mas o que o governo tem que fazer? Neste momento, a margem de manobra é muito pequena. Então o governo tem que realinhar, chamar realmente os prefeitos, evitar desperdício, evitar gastos para favorecer os amigos de campanha, não é o momento para fazer isso. O momento é de realinhar, readequar a economia e até, por que não dizer, focar onde haverá novos investimentos.
TB: Se as empresas vão vender menos, então elas vão produzir menos e isso pode gerar desemprego?
Demuner: Esse é o grande problema que eu vejo. As empresas trabalham com lucratividade. Se eu estou reduzindo a minha lucratividade, se as exportações diminuem, se a minha demanda diminui, com certeza isso vai acabar refletindo na sociedade.
MB: A China compra muitos produtos nossos, principalmente commodities, matéria prima, mas também traz muitos produtos para vender aqui, haja visto o setor de confecção, que reclama muito dos produtos chineses que chegam aqui mais baratos. A gente viu que além dessa bambeada na economia, com as bolsas despencando, o governo chinês também desvalorizou a moeda, para que se compre mais produtos da China, para que venda mais produtos, porque desvalorizando a moeda fica mais barato para quem vai comprar. Isso pode afetar o Espírito Santo?
Demuner: Vai. Na verdade, esta é uma estratégia que todo governo está tomando, desvalorizar a sua moeda, até para valorizar a indústria nacional de cada país. Há uma guerra muito perigosa, tudo o que envolve o câmbio é muito perigoso, porque você acaba perdendo o controle da economia e com certeza isso vai afetar também a nossa indústria aqui no estado.
MB: O que está acontecendo com as bolsas? Por que a bolsa de Xangai caiu 7% e mundo afora isso teve um efeito dominó?
Demuner: A Bolsa vive muito de expectativa, então quando você cria a expectativa de que uma economia vai mal, aí você repassa esta expectativa para todas as bolsas do mundo. Então abre lá na China, fecha aqui no Brasil e as ações desvalorizam de um dia para o outro coisa de 10%, aquilo que você demora um ano para ganhar na poupança, por exemplo, você perde em um dia na bolsa, foi o que aconteceu ontem com as ações da Vale do Rio Doce, por exemplo.
MB: Estamos falando das ações da China, da economia do mundo, eu queria trazer um pouco para a economia do Brasil. Ontem a presidente Dilma deu uma declaração, pela primeira vez, reconhecendo que demorou a perceber a dimensão da crise, reconheceu que errou e que a inflexão da economia deveria ter sido feita antes. E anunciou também a redução de ministérios, não a presidente, mas a gente ouve essa conversa agora do governo de que vai reduzir dez ministérios. São medidas que estão vindo tarde demais, mas necessárias, como é que o senhor avalia as declarações da presidente e a forma como o governo federal vem lidando com a economia?
Demuner: Eu acho que o grande problema do Brasil hoje, volto a afirmar, é um problema político. Não acho que seja tarde, percebo que essas medidas, essas reformas estruturais deveriam ter sido feitas há 10 anos, quando houve o boom das commodities agrícolas, commodities industriais, onde havia dinheiro no estado e poderia fazer reformas na infraestrutura, na construção de novas estradas, reformas nos portos. Se eu falar que é tarde, vou estar sendo injusto; o que posso dizer é que é uma reforma que tem que ser feita, deve ser feita, até para servir como exemplo para o mercado internacional, para o investidor internacional perceber que nós estamos tratando a crise com seriedade e o governo passar esta confiança para o mercado internacional que está no controle da economia. O que está passando hoje é que existe um conflito de poderes no estado e que está sem controle da economia, esta é a grande verdade.
TB: Ainda sobre a queda da bolsa, as ações caíram. É hora de comprar, para quem gosta de investir neste mercado?
Demuner: Investimento em mercado de ações é para quem tem o coração forte. Se você está acostumado a trabalhar com isso, observa onde estão os melhores investimentos, onde estão as maiores tendências de mercado. Mas se você não está acostumado a investir com isso, não entre no mercado variável agora, porque é muito perigoso, está realmente num momento muito ruim, procure o gerente do seu banco, faça um investimento em renda fixa, um investimento talvez que tenha maior liquidez como a poupança. Investimento em mercado de ações, investimento em imóveis, eu sugiro que ninguém faça isso agora.
MB: O professor Roberto Garcia Simões, da UFES, escreve um artigo hoje no jornal A Gazeta e ele diz que acabou um ciclo. Esse ciclo de venda de commodities, e o senhor explicou aqui o que são commodities, isso se encerrou porque a China não vai mais demandar tanta matéria prima. O Espírito Santo tem que estar muito atento e se preparar para isso, porque nossa economia depende muito destas exportações. O senhor concorda com ele?
Demuner: Eu concordo. O que o Espírito Santo e o Brasil têm que fazer agora é tentar um novo realinhamento da economia. Por exemplo: novas fontes de energia, para baixar o nosso custo de produção, essa reforma tributária precisa ser feita para tentarmos contribuir de alguma forma com a nossa economia, com a nossa indústria, nós temos muito desperdício hoje relacionado à questão energética, por exemplo, temos hoje o que nós chamamos de eficiência energética, que é entrar numa fábrica, numa indústria, verificar o que você usava há 10 anos, motores que consumiam muito mais energia, lâmpadas que consumiam muito mais energia, e substituir tudo isso para tornar nossa indústria competitiva. Do lado do governo é o que eu sempre falo, tem que haver um realinhamento, estar replanejando sua economia, sua gestão, é gestão administrativa mesmo, é fazer mais com menos.
Mario Bonella: Foi notícia no mundo todo ontem a queda nas bolsas de valores. O medo é que a economia da China comece a bambear. Isso afeta o Brasil, afeta o Espírito Santo, nós que exportamos muitos produtos para a China: bloco de rocha, minério de ferro, celulose, a China compra produtos que movimentam a economia do estado. O economista Sebastião Demuner, do Conselho Federal de Economia, vai nos explicar o que está acontecendo e de que maneira podemos ser afetados. Bom dia, Sebastião.
Sebastião Demuner: Bom dia.
MB: Sebastião, eu fico imaginando quem viu as notícias ontem e fica pensando assim: "eu não tenho ação de empresa, eu não coloco dinheiro em bolsa, isso não vai mexer com a minha vida". Quando vemos que a bolsa da China despencou 7 pontos, a Bolsa de São Paulo 3, afeta a vida de todos?
Demuner: Com certeza. Quando eu tenho um problema econômico como este, afeta desde aquela senhorinha que vai comprar o pão francês todos os dias, até grandes empresários, grandes indústrias do mercado nacional, indústria de confecção, indústria da construção civil, afeta a economia como um todo.
MB: Por quê?
Demuner: As nossas exportações serão afetadas porque o crescimento da economia chinesa, por exemplo, está diminuindo, e se diminuirmos as exportações, automaticamente diminuirá também nossa arrecadação, vai ter problema de câmbio, problema no eixo central da economia e vai acabar afetando toda a economia.
Tatiane Braga: Gera também uma sensação de incerteza na economia mundial?
Demuner: Esse é o grande problema. Nós tínhamos um problema endógeno, que na semana passada estávamos discutindo, que é o ajuste fiscal. Nós estávamos sem competência de resolver este pequeno problema que nós tínhamos aí, que é um problema político que está gerando um problema econômico. No geral a nossa economia organizada, o setor bancário é um setor organizado, o setor elétrico é um dos melhores do mundo, agora nós temos um problema externo e quando há um problema externo como esse não tem muita margem de manobra. É um problema que vem de fora, um problema mundial que a margem de manobra do governo, eu percebo, é muito pequena.
MB: A dúvida que eu ouvia dos outros economistas é se a economia da China está bambeando ou se está se adequando, porque cresceu em níveis muito difíceis de crescer, 10%, 11% ao ano, e agora não estava crescendo tanto, mas continuava crescendo 4%, 5%, 6%. Já existe uma resposta para esta dúvida? A economia da China está em dificuldade ou está apenas se adequando?
Demuner: Existe toda uma incerteza em relação a isso. Enquanto a economia chinesa estava crescendo muito, existiu no Brasil uma "farra" nas commodities, digamos assim. Tudo o que se produzia aqui nós conseguíamos vender para a China, tudo eles compravam de nós.
MB: Pode explicar o que são commodities?
Demuner: Commodities são um conjunto de produtos, por exemplo, commodities agrícolas, commodities de ferro e aço, são um conjunto de produtos que tudo o que nós produzíamos, conseguíamos repassar para o mercado chinês.
MB: Que se exportam em grande volume?
Demuner: Que se exportam em grande volume. Com a redução do PIB da China, nossas commodities vão reduzir as vendas e nós vamos ter problemas internos, principalmente o nosso estado, que é um estado tipicamente exportador, 70%, 60% da nossa economia é voltada para a exportação, e nós vamos ter problemas com a economia, repasses para os municípios, o governo vai ter que fazer todo o seu planejamento para este ano e até para o ano que vem.
MB: Essas empresas que vendem minério, por exemplo, elas vão vender menos, vão pagar menos impostos e vai ter menos dinheiro para investir no bem social.
Demuner: Perfeito, este é o raciocínio. É um raciocínio até muito simples. Mas o que o governo tem que fazer? Neste momento, a margem de manobra é muito pequena. Então o governo tem que realinhar, chamar realmente os prefeitos, evitar desperdício, evitar gastos para favorecer os amigos de campanha, não é o momento para fazer isso. O momento é de realinhar, readequar a economia e até, por que não dizer, focar onde haverá novos investimentos.
TB: Se as empresas vão vender menos, então elas vão produzir menos e isso pode gerar desemprego?
Demuner: Esse é o grande problema que eu vejo. As empresas trabalham com lucratividade. Se eu estou reduzindo a minha lucratividade, se as exportações diminuem, se a minha demanda diminui, com certeza isso vai acabar refletindo na sociedade.
MB: A China compra muitos produtos nossos, principalmente commodities, matéria prima, mas também traz muitos produtos para vender aqui, haja visto o setor de confecção, que reclama muito dos produtos chineses que chegam aqui mais baratos. A gente viu que além dessa bambeada na economia, com as bolsas despencando, o governo chinês também desvalorizou a moeda, para que se compre mais produtos da China, para que venda mais produtos, porque desvalorizando a moeda fica mais barato para quem vai comprar. Isso pode afetar o Espírito Santo?
Demuner: Vai. Na verdade, esta é uma estratégia que todo governo está tomando, desvalorizar a sua moeda, até para valorizar a indústria nacional de cada país. Há uma guerra muito perigosa, tudo o que envolve o câmbio é muito perigoso, porque você acaba perdendo o controle da economia e com certeza isso vai afetar também a nossa indústria aqui no estado.
MB: O que está acontecendo com as bolsas? Por que a bolsa de Xangai caiu 7% e mundo afora isso teve um efeito dominó?
Demuner: A Bolsa vive muito de expectativa, então quando você cria a expectativa de que uma economia vai mal, aí você repassa esta expectativa para todas as bolsas do mundo. Então abre lá na China, fecha aqui no Brasil e as ações desvalorizam de um dia para o outro coisa de 10%, aquilo que você demora um ano para ganhar na poupança, por exemplo, você perde em um dia na bolsa, foi o que aconteceu ontem com as ações da Vale do Rio Doce, por exemplo.
MB: Estamos falando das ações da China, da economia do mundo, eu queria trazer um pouco para a economia do Brasil. Ontem a presidente Dilma deu uma declaração, pela primeira vez, reconhecendo que demorou a perceber a dimensão da crise, reconheceu que errou e que a inflexão da economia deveria ter sido feita antes. E anunciou também a redução de ministérios, não a presidente, mas a gente ouve essa conversa agora do governo de que vai reduzir dez ministérios. São medidas que estão vindo tarde demais, mas necessárias, como é que o senhor avalia as declarações da presidente e a forma como o governo federal vem lidando com a economia?
Demuner: Eu acho que o grande problema do Brasil hoje, volto a afirmar, é um problema político. Não acho que seja tarde, percebo que essas medidas, essas reformas estruturais deveriam ter sido feitas há 10 anos, quando houve o boom das commodities agrícolas, commodities industriais, onde havia dinheiro no estado e poderia fazer reformas na infraestrutura, na construção de novas estradas, reformas nos portos. Se eu falar que é tarde, vou estar sendo injusto; o que posso dizer é que é uma reforma que tem que ser feita, deve ser feita, até para servir como exemplo para o mercado internacional, para o investidor internacional perceber que nós estamos tratando a crise com seriedade e o governo passar esta confiança para o mercado internacional que está no controle da economia. O que está passando hoje é que existe um conflito de poderes no estado e que está sem controle da economia, esta é a grande verdade.
TB: Ainda sobre a queda da bolsa, as ações caíram. É hora de comprar, para quem gosta de investir neste mercado?
Demuner: Investimento em mercado de ações é para quem tem o coração forte. Se você está acostumado a trabalhar com isso, observa onde estão os melhores investimentos, onde estão as maiores tendências de mercado. Mas se você não está acostumado a investir com isso, não entre no mercado variável agora, porque é muito perigoso, está realmente num momento muito ruim, procure o gerente do seu banco, faça um investimento em renda fixa, um investimento talvez que tenha maior liquidez como a poupança. Investimento em mercado de ações, investimento em imóveis, eu sugiro que ninguém faça isso agora.
MB: O professor Roberto Garcia Simões, da UFES, escreve um artigo hoje no jornal A Gazeta e ele diz que acabou um ciclo. Esse ciclo de venda de commodities, e o senhor explicou aqui o que são commodities, isso se encerrou porque a China não vai mais demandar tanta matéria prima. O Espírito Santo tem que estar muito atento e se preparar para isso, porque nossa economia depende muito destas exportações. O senhor concorda com ele?
Demuner: Eu concordo. O que o Espírito Santo e o Brasil têm que fazer agora é tentar um novo realinhamento da economia. Por exemplo: novas fontes de energia, para baixar o nosso custo de produção, essa reforma tributária precisa ser feita para tentarmos contribuir de alguma forma com a nossa economia, com a nossa indústria, nós temos muito desperdício hoje relacionado à questão energética, por exemplo, temos hoje o que nós chamamos de eficiência energética, que é entrar numa fábrica, numa indústria, verificar o que você usava há 10 anos, motores que consumiam muito mais energia, lâmpadas que consumiam muito mais energia, e substituir tudo isso para tornar nossa indústria competitiva. Do lado do governo é o que eu sempre falo, tem que haver um realinhamento, estar replanejando sua economia, sua gestão, é gestão administrativa mesmo, é fazer mais com menos.