A alta do dólar nas últimas semanas ainda não despertou preocupação entre os economistas quanto ao risco de que se transforme em inflação. Em fevereiro, a moeda americana oscilou na casa de R$ 1,70, subiu para cerca de R$ 1,80 em março e, nos últimos dias, se aproximou de R$ 1,90. Apesar do movimento, as projeções para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2012 foram mantidas em torno de 5%. Se, contudo, a taxa de câmbio permanecer no patamar atual (entre R$ 1,85 e R$ 1,90) ela pode provocar uma alta adicional entre 0,2 e 0,5 ponto percentual no índice oficial de inflação.
A principal razão para a manutenção das projeções de inflação é que os economistas consultados pelo Valor acreditam que o dólar não se sustentará no patamar de R$ 1,90. Para eles, a perspectiva de entrada de capitais externos, mesmo com os juros em queda, ainda inibe uma valorização mais acentuada da moeda americana. Além disso, a expectativa de que a ampla liquidez no sistema financeiro global - proveniente das economias desenvolvidas - não se reverta no curto e médio prazos também joga contra uma apreciação contínua do dólar. O último relatório do Boletim Focus, do Banco Central, indica que o mercado estima o dólar a R$ 1,80 no fim de 2012. A previsão subiu nas últimas quatro semanas, mas saiu de 1,75%.
O BC retomou as intervenções no mercado de câmbio em fevereiro e intensificou as atuações desde a semana passada, enquanto o país recebia recursos externos. No fim da semana passada, no entanto, a autoridade monetária interrompeu as compras de dólares no mercado à vista, após a moeda chegar próximo a R$ 1,90. "O dólar nesse nível fica caro para o BC, e ele sabe que a inflação pode ser afetada por um dólar mais alto", diz o gerente de câmbio da Treviso Corretora de Câmbio, Reginaldo Galhardo.
as contas de Flavio Serrano, do BES Investimento, se o dólar permanecesse em R$ 1,90 por um período superior a 12 meses, o IPCA ganharia 0,3 ponto percentual. Tatiana Pinheiro, do Santander, estima um impacto de meio ponto percentual. Para abril, entretanto, o efeito da alta do câmbio já observada deve ser muito baixo na inflação, senão nulo. Segundo cálculos do economista-chefe do Banco Pine, Marco Maciel, considerando a taxa média do dólar para abril em R$ 1,85, o repasse para a inflação seria de 0,08 ponto percentual.
Serrano não espera aumento de preços neste mês por conta da variação cambial. Para que a alta do dólar chegue ao bolso do consumidor, diz, são necessários cerca de três meses. No atacado, porém, os reflexos do sobe e desce do dólar são quase imediatos.
Por terem 60% de sua composição atrelada a preços ao produtor - em grande parte cotados internacionalmente - os índices gerais de preço (IGPs) respondem mais à trajetória do câmbio do que os índices ao consumidor. A segunda prévia do IGP-M, divulgado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) na semana passada, dobrou sua aceleração entre março e abril, ao subir de 0,35% para 0,71%. A alta foi puxada pelo atacado, cujos preços, entre agrícolas e industriais, avançaram de 0,32% para 0,77%. "Isso já é reflexo do câmbio", observa Tatiana, do Santander. Mas essa não foi a única razão, pois o preço da soja está subindo por conta da quebra da safra, afetada pela seca.
Tatiana não descarta um repasse do avanço do dólar ao varejo já em abril, mas acredita que o aumento de preços será limitado pela conjuntura. "Em um momento de baixo aquecimento econômico, a mesma apreciação do dólar aparece com um potencial de repasse menor. Neste momento, esse impacto não será tão forte como seria se tivéssemos uma valorização dessa magnitude no primeiro trimestre do ano passado."
Além da atividade econômica menos vigorosa, acrescenta Tatiana, outros fatores devem ter efeito benigno sobre a inflação. Em sua projeção de 5% para a alta do IPCA em 2012, ela contempla um comportamento mais tranquilo dos preços administrados devido ao ano eleitoral, que inibe reajustes de tarifas, e a revisões tarifárias "atípicas", que devem baratear o custo da energia elétrica em cidades importantes, como São Paulo. Também estão em seu cenário condições climáticas melhores que não farão disparar os preços de alimentos in natura como em outros anos e o próprio movimento do dólar, que, na estimativa do Santander, deve encerrar 2012 valendo, em média, R$ 1,80.
"O câmbio ainda não escolheu seu patamar. Ele acelerou recentemente porque tivemos notícias ruins da China. Acreditamos que essa subida não é sustentável, porque os dados da economia chinesa devem ser melhores na segunda metade do ano e o mercado tende a ficar um pouco mais otimista", explica.
Para a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências, a queda das commodities em reais sinaliza um impacto moderado da alta do dólar no IPCA. O Índice de Commodities do Banco Central (IC-Br), que acompanha a evolução do preços das matérias-primas em reais, subiu 2,67% em março, mas acumula recuo de 9,34% em 12 meses. O índice CRB de commodities, referência global para a variação desses produtos, subiu 5,07% no mês passado e recuou 4,01% desde março de 2011.
Na opinião de Fabio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores, a autoridade monetária está ciente do balanço de riscos entre câmbio e inflação e deve atuar no mercado para comprar dólares à vista apenas enquanto os preços estiverem em trégua. Em sua visão, a tranquilidade no cenário inflacionário deve durar até maio, quando o IPCA voltará à casa de 0,35% como reflexo da alta de preços agrícolas no atacado. Esse início de ano, portanto, seria a hora certa para as empresas tentarem alavancar suas exportações, diz Silveira. "Essa é a oportunidade para que as empresas reabram portas fechadas no mercado internacional."