A taxa de equilíbrio do câmbio brasileiro ainda está razoavelmente acima da atual cotação do dólar. A moeda americana, inclusive, teria potencial para atingir R$ 2,30 ou mesmo R$ 2,45 no longo prazo, concretizando os desejos do governo de desvalorizar o real e incentivar a indústria local ao compensar distorções causadas pelas injeções de liquidez de outros países. Essa, ao menos, é a opinião de boa parte dos economistas sobre a taxa de equilíbrio no Brasil, baseada em análises de fundamentos econômicos locais e da atividade mundial.
O grande número de variáveis consideradas no cálculo da taxa de equilíbrio - como os estímulos promovidos pelos BCs estrangeiros, a demora dos países beneficiados em reagir e os preços em níveis historicamente altos de vários ativos - torna difícil um consenso sobre qual exatamente seria ela. No Brasil, a complexidade é ainda maior, dadas nuances específicas do país, como o ciclo de queda da Selic desde o ano passado, a redução no diferencial de juros que esse movimento causou, bem como a pesada mão do governo na economia. O discurso cada vez mais afinado contra um real valorizado também é um fator a ser considerado.
O J.P. Morgan, utilizando modelo de longo prazo, calcula que o real ainda estaria 19% sobrevalorizado, partindo de uma taxa real em torno de R$ 2,05. Nesse modelo, a taxa cambial "justa" no Brasil seria de R$ 2,45. Segundo o banco, um aumento de 1% nos termos de troca eleva a taxa de câmbio em até 0,34%. Um ganho de mesma magnitude na produtividade causaria alta de até 0,58% no câmbio. Já a subida de 1 ponto percentual na relação dívida bruta sobre o Produto Interno Bruto (PIB) causaria queda de até 0,21% no dólar.
Segundo Vera Thorstensen, coordenadora do observatório de câmbio da faculdade de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a sobrevalorização do real está perto de 15%. A situação, disse ela, tem consequências sérias para o comércio internacional, e são particularmente prejudiciais para o Brasil. Enquanto o câmbio brasileiro está sobrevalorizado, calcula, há descontos de 9% nos Estados Unidos e de 15% na China. "Os grandes parceiros comerciais do Brasil estão com câmbio desvalorizado." Ela disse concordar com as recentes medidas do governo e do BC para melhorar a competitividade brasileira no exterior pela via do câmbio.
Segundo Tony Volpon, diretor-executivo da Nomura Securities, é preciso pensar tanto em economia real e termos de troca (que medem quão vantajosas estão as operações de comércio exterior para um país) como na política monetária em curso. Como, segundo ele, o sinal do BC é que a prioridade é sustentar o crescimento econômico, o real deve continuar a cair.
"Enquanto o BC quiser manter a política expansionista, vamos ter um real mais fraco, como agora. O preço disso é inflação", disse Volpon. Para ele, caso realmente a inflação volte a apertar no segundo semestre de 2013, o BC poderá relaxar sua pressão sobre o câmbio. Dessa forma, o real voltaria a ter uma relação mais estreita com os termos de troca.
"Acredito que vamos ver um dólar a R$ 2,30 no ano que vem, mas não devemos fechar nisso. Até o fim de 2013, a moeda deve voltar para perto de R$ 2, casada com a retomada dos aumentos dos juros no segundo semestre."
No governo, a justificativa para um dólar mais elevado é exatamente promover a competitividade brasileira e corrigir domesticamente distorções causadas por outros países. Na semana passada, a cúpula do governo veio a campo para defender um real mais desvalorizado, sinalizando que o atual patamar do dólar ainda não é o ponto de equilíbrio pretendido.
No dia 19, o Valor publicou entrevista com a presidente Dilma Rousseff na qual ela disse que o governo está "em busca de um câmbio que não seja esse de um dólar desvalorizado e o real supervalorizado". Na quinta, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, disse que a autoridade monetária tomará "as precauções para evitar que o país seja uma praça de desvalorização de outras moedas". E, na sexta, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o real ainda está valorizado e que o dólar acima de R$ 2 "veio para ficar".
Dados da Funcex mostram que o índice que mede os termos de troca do comércio exterior brasileiro (a relação entre o preço da exportações e o das importações) caiu para 122,9 em setembro, abaixo da leitura de 124,9 de agosto. Ainda assim, está acima da média mensal de 93,2 desde que a medição começou, em janeiro de 1978 e encontra-se cera de 7% abaixo do pico histórico de 132,7 alcançado um ano antes.
Ainda que o governo queira um real mais fraco para impulsionar a competitividade do país, isso não deve ser feito de uma hora para a outra, a fim de se tentar controlar a pressão inflacionária decorrente desse movimento. A alta do dólar, portanto, terá de ser administrada e espaçada. "O BC entrou hoje [sexta-feira] porque quer um dólar mais alto, mas não agora. Eles querem os R$ 2,30, mas não imediatamente", disse Volpon, do Nomura. "E é o BC que deve gerenciar esse processo de desvalorização, para não causar inflação."
Na sexta-feira, o BC ofereceu em leilão 62,8 mil contratos de swap cambial tradicional para dezembro, o equivalente a US$ 3,14 bilhões, dos quais colocou 32,5 mil (US$ 1,62 bilhão). Com a operação, anulou na prática os efeitos de cerca de metade de seus swaps cambiais reversos que vencem na virada do mês, diminuindo a pressão sobre o dólar que, no momento do leilão, ameaçava superar R$ 2,12. A tática funcionou e a moeda fechou a R$ 2,082, em baixa de 0,76%, a mais forte desde 31 de agosto.
O economista da Rosenberg e Associados Rafael Bistafa também acredita que, no longo prazo, o real deve se depreciar. Ele, porém, projeta uma taxa não muito mais elevada que a atual, perto de R$ 2,10. Segundo Bistafa, sua expectativa é que os termos de troca devem se manter estáveis, acarretando em menor fluxo pelo lado da exportação.
"Embora tenham recuado um pouco nos últimos meses na comparação com o 2011, os termos de troca ainda estão em níveis historicamente elevados", disse ele.
O estudo do J.P. mostra que o cálculo da taxa de câmbio de equilíbrio por meio de variáveis de curto prazo - como os preços das commodities, o índice de volatilidade VIX e o diferencial de juros - sugere que a moeda brasileira pode ter entrado em terreno excessivamente desvalorizado.