A China foi o país que reagiu mais negativamente ontem na Organização Mundial do Comercio (OMC) à proposta do Brasil sobre câmbio. O país sugeriu que os parceiros comecem a examinar a necessidade de um instrumento de desafogo para casos de valorização cambial excessiva, que autorize a um país impor sobretaxa na importação para proteger a indústria nacional.
O Brasil reativou a iniciativa na OMC, porque considera que os atuais instrumentos de defesa comercial não parecem adequados para tratar dos efeitos macro e microeconômicos do desalinhamento cambial sobre as trocas internacionais.
O embaixador do Brasil na OMC, Roberto Azevedo, que na ocasião considerou que o valor da moeda brasileira é uma anomalia, propôs aos parceiros considerar a necessidade de defesa comercial nas situações de desalinhamento, sob estritas condições.
Em reunião do Comitê de Finanças da OMC, ontem, a China reconheceu que o real brasileiro teve "valorização dramática" nos últimos anos, mas alegou que o país "não é a única vítima" da volatilidade cambial. E o culpado, para Pequim, é a política de afrouxamento quantitativo (QE) dos Estados Unidos, que considera "irresponsável e aos custos dos parceiros."
Os chineses se sentem ameaçados com o risco de novos instrumentos de defesa que podem frear suas exportações, quando os parceiros em geral costumam acusá-los de continuar manipulando sua moeda para favorecer e subsidiar as exportações.
Para a China, câmbio é para ser tratado no Fundo Monetário Internacional (FMI) e o país considerou ainda mais errado tentar o resolver o problema com medidas comerciais. Para Pequim, elevar a tarifa questionaria a própria essência da OMC, de liberalização, facilitação de comércio e abertura de mercados.
Sem surpresa, Pequim insistiu que o único consenso até agora na OMC sobre câmbio, trazido pelo Brasil, é que o tema é "extremamente sofisticado e que há numerosos fatores que podem causar volatilidade cambial".
Pequim insiste que a discussão sobre câmbio na OMC "pode desviar as atenções" sobre a combalida Rodada Doha para maior abertura comercial, que já dura 11 anos.
Por sua vez, os EUA também não quiseram entrar na discussão sobre um novo mecanismo, alegando que o tema continua sendo examinado em Washington. Mas sua delegação sugeriu diferenciar as moedas que são manipuladas daquelas que flutuam, num recado aos chineses. Os americanos acham que o tema cambial deve continuar sendo discutido na OMC.
A União Europeia (UE) também acha que é preciso uma avaliação completa do impacto do desalinhamento cambial no comércio, ainda mais num contexto global pautado por cadeias de valor, em que um produto é montado com peças originárias de vários paises e afetado por diferentes taxas de câmbio.
A surpresa veio da Suíça que, como a China, manipula a moeda. Diante da valorização excessiva de sua moeda, os suíços estabeleceram um teto para a subida do franco contra o euro, a partir do qual intervêm no mercado. Mas ontem, na OMC, os suíços deram uma lição de liberalismo e insistiram que um novo instrumento de defesa comercial pode "frustrar importante e necessário ajuste estrutural numa economia". Para os suíços, campeões do protecionismo agrícola, o uso de barreiras já é amplo no comércio mundial e eles consideraram que a proposta brasileira deve ser vista como "meramente acadêmica".
O Chile foi na mesma linha de ceticismo e de inquietação com o que poderia ser "uma nova forma de protecionismo comercial". Cobrou do Brasil os compromissos assumidos no G-20 e na Unasul para evitar medidas protecionistas. Para o governo chileno, o tipo de medidas descritas pelo Brasil poderia gerar "uma volatilidade ainda maior no câmbio, em razão de possíveis distorções no equilíbrio do mercado e grande incerteza, tudo que seria percebido de maneira negativa por investidores externos".
Já a Turquia e a Austrália mostraram mais simpatia pelo desenvolvimento da proposta brasileira.
A presidência do grupo da OMC vai agora convidar o FMI para discutir o tema com os países, numa próxima reunião do Comitê de Finanças.
Para o embaixador brasileiro, Roberto Azevedo, o resultado do debate foi "ótimo", pois, segundo ele, ficou clara a disposição dos países de continuarem a discussão do tema e "sobretudo, a disposição de diálogo com o FMI".