As expectativas para a inflação desconfortavelmente elevadas para o próximo ano, com a alta prevista para os preços ao consumidor acima dos 5%, fazem o mercado voltar a debater o uso do câmbio na política monetária. A questão que se coloca agora é: o governo aceitaria uma apreciação do real para amenizar pressões inflacionárias?
Não há consenso, mas a percepção é que as chances de o governo deixar o real se apreciar crescem consideravelmente se as expectativas de inflação começarem a flertar com 6%, nível bem próximo do teto da meta - 6,5%. Antes disso, no entanto, as autoridades evitariam ao máximo usar esse instrumento, sobretudo para não colocar em risco uma economia que ainda luta para se recuperar, e também pela percepção de que o poder de fogo do câmbio para controlar a alta dos preços não é mais o mesmo de anos atrás.
Durante a década passada, ficou claro que o governo não hesitou em utilizar a "âncora cambial" para colocar o IPCA a caminho da meta, ora com sucesso ora sem. Naquele momento - marcado pela valorização do real, que saiu de quase R$ 4 para cerca de R$ 2 por dólar -, o crescimento da atividade econômica não expunha de maneira clara o impacto do câmbio apreciado sobre o setor industrial. Isso mudou a partir da crise financeira de 2008/2009, quando foram expostas as fragilidades da indústria após anos de real apreciado.
Um estudo da MCM Consultores Associados mostra que, atualmente, o grau de repasse da variação do dólar aos preços, conhecido como "pass-through" cambial, estaria em torno de 5%. Ou seja, para uma depreciação de 10% na taxa de câmbio nominal, haveria um impacto no IPCA, referência para o regime de metas de inflação do governo, de 0,50 ponto percentual ao fim de um ano.
O estudo lembra que o grau de repasse da alta do dólar aos preços atualmente é menor do que no passado e nota que essa conclusão não é tão recente. Um box especial no Relatório Trimestral de Inflação de junho de 2011 apontava que "os parâmetros associados ao repasse de variações cambiais para a inflação vêm apresentando tendência declinante ao longo do tempo". Os valores estimados atualmente para esses parâmetros corresponderiam à metade dos valores previstos até 2005.
Na avaliação do economista-chefe da MCM, Fernando Genta, no ponto atual a depreciação cambial nominal dos últimos meses já está "praticamente" incorporada à inflação. "Não tem espaço para choque cambial. Nesses níveis, o câmbio não tende mais a ser inflacionário", diz o economista.
Ele pondera, no entanto, que, dada a aparente pouca disposição do governo em usar o câmbio para controlar a inflação, o "pass-through" cambial pode estar um pouco mais elevado do que aquele que seria registrado atualmente em condições "normais". "Ainda assim, quando você analisa os riscos à economia, eles são de baixa, o que sugere uma menor pressão sobre os preços e, assim, uma menor necessidade de se usar o câmbio para segurar a inflação", avalia, prevendo um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano de 3,9%, abaixo da estimativa contida no relatório Focus do BC, de alta de 4% pela mediana das projeções.
O ex-diretor de Política Monetária do BC Carlos Thadeu de Freitas, atual economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), acredita que, "enquanto tivermos uma economia andando devagar, é pouco provável que o governo abra mão do câmbio" na casa dos R$ 2. Contudo, ele considera que não se pode descartar o peso da inflação na decisão de eventualmente mudar a política cambial. "À medida que as expectativas [de inflação] se desviarem do que o BC espera, podendo bater o teto da meta, ele e a Fazenda vão ter que desarmar os controles no câmbio. Ou fazem isso, ou há riscos de estourar a meta."
Apesar de acreditar num repasse "relativamente modesto" da alta do dólar aos preços, o Goldman Sachs também vê o governo utilizando o câmbio no ano que vem para lidar com a inflação. Justamente pelo repasse discreto da variação cambial aos preços, a instituição prevê que seria necessária uma "grande" valorização do real para que houvesse um impacto significativo na inflação ao consumidor medida pelo IPCA.
Nos cálculos do banco, uma valorização permanente da taxa de câmbio para R$ 1,80 por dólar traria o IPCA para 5,43% em termos anuais até o fim de 2013, bem abaixo da previsão de 6,30% do banco com o câmbio constante. No caso de o dólar cair a R$ 1,70, o IPCA ficaria em 5,00%, enquanto uma depreciação da moeda americana para R$ 1,60 levaria o índice de inflação ao centro da meta, de 4,5%.
"Nossos cálculos mostram que as autoridades podem suavizar a intervenção atual e permitir um real mais forte, a fim de gerenciar um cenário inflacionário ainda muito desafiador", afirmou o banco em nota recente.