Após oito meses mostrando saldos consistentemente negativos, o Brasil voltou a receber entradas líquidas de recursos pela conta comercial, que registra as operações contratadas para comércio exterior. O saldo em fevereiro ficou positivo em US$ 690 milhões, puxado por ingressos líquidos de US$ 1,719 bilhão apenas na semana passada.
Um olhar mais atento dos números mostra que a recuperação do fluxo ocorreu mais pela queda das importações do que pelo crescimento das exportações. As contratações de câmbio para importação totalizaram US$ 14,922 bilhões no mês passado, queda de 23,9% em relação ao volume de janeiro (US$ 19,603 bilhões). As exportações, por outro lado, cresceram para US$ 15,612 bilhões, alta de 5,2% em relação ao mês anterior (US$ 14,847 bilhões).
Especialistas de mercado estimam que a queda nas importações deve ter refletido menores contratações por parte da Petrobras. Conforme nota o tesoureiro de um banco nacional, o aumento do preço do diesel anunciado pela estatal na terça-feira à noite também pode ajudar a desinflar na margem as importações da estatal. Isso porque o preço maior eventualmente reduziria a demanda pelo combustível, diminuindo assim a necessidade de importação pela companhia.
Mas as exportações também podem ajudar a melhorar o saldo comercial nos próximos meses, na esteira dos aumentos dos embarques de soja, cuja safra este ano deve bater recorde. As vendas externas do complexo de soja nos dois primeiros meses deste ano geraram receita de US$ 1,265 bilhão. A estimativa é que boa parte desse valor provavelmente já tenha sido contratada cerca de seis meses antes, tanto por Adiantamento sobre Contratos de Câmbio (ACC) quanto por Pagamento Antecipado (PA), sendo que a contratação da operação de câmbio tem mais peso.
Ao longo de 2013, porém, as receitas com a venda de grão, farelo e óleo de soja devem totalizar US$ 30,245 bilhões, conforme previsão da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). "E um volume considerável pode ser contratado nos próximos meses", diz um outro profissional, chamando atenção para a pressão de baixa que esse fluxo pode exercer sobre o dólar.
O superintendente do departamento econômico do Citibank no Brasil, Marcelo Kfoury, diz acreditar que mesmo com as receitas bilionárias das exportações do complexo soja, o dólar continuar preso ao intervalo entre R$ 1,95 e R$ 2 no qual vem operando há mais de um mês. Kfoury não vê espaço para novas valorizações do real por entender que o governo continuará atuando para manter a taxa nessa banda informal. "Acho difícil cair abaixo de R$ 1,95 nos próximos meses e acho que vai subir até o fim do ano", disse, estimando que o dólar feche 2013 a R$ 1,99.
O resultado do fluxo, porém, teve impacto limitado sobre os negócios com câmbio ontem, que acompanharam de perto o desempenho do dólar no exterior. A moeda subiu 0,20%, para R$ 1,969. Dados melhores que o esperado de emprego nos EUA acabaram puxando a demanda por dólares no mundo, alimentando a valorização da moeda americana ante seus principais pares, incluindo o real.
"O mercado interpretou os dados de trabalho nos EUA como algo positivo e que pode levar o Fed a reverter antes do esperado suas medidas de afrouxamento quantitativo", disse Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco WestLB.
O fato de a moeda oscilar próxima do centro da banda informal, entre R$ 1,95 e R$ 2, com o mercado respeitando seus limites, facilita que o câmbio siga de perto a tendência externa, disse Rostagno.
"Como o câmbio está muito perto do centro [da banda informal], acaba refletindo com mais precisão os movimentos lá de fora do que quando está mais próximo dos limites dela", disse Rostagno. "Perto dos limites, o mercado atua mais influenciado pelo receio de que o BC possa atuar."