Uma entrada líquida surpreendente de US$ 2,4 bilhões em 30 e 31 de julho consolidou uma reversão no fluxo cambial do mês, que fechou positivo em US$ 942 milhões.
Mas essa bonança não vem se repetindo neste início de agosto. Os dados preliminares para o mês voltam a mostrar saída de recursos, de US$ 174 milhões em três dias, reforçando avaliações de que, entre movimentos pontuais de ingressos e saídas, o país deve manter o superávit cambial atual - em torno de US$ 20 bilhões - até o fim do ano, cerca de um terço dos mais de US$ 65 bilhões registrados em 2011.
Tal expectativa, no entanto, segue atrelada aos desdobramentos da crise internacional. Um evento dramático na zona do euro - como a saída da Grécia da união monetária - ou uma deterioração nas economias americana e chinesa poderiam detonar um movimento consistente de saída de recursos, especialmente na conta financeira, sensível às intempéries externas.
Por outro lado, o Investimento Estrangeiro Direto (IED) ao Brasil segue firme e tem surpreendido até mesmo o Banco Central (BC).
A continuidade desses fluxos pode compensar, assim, eventuais saídas de dólares decorrentes de uma piora externa.
"O fluxo financeiro é muito volátil, porque depende das condições internacionais. E lá fora, por enquanto, não se vê nada com clareza", diz o ex-diretor do BC e atual economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Calor Thadeu de Freitas.
Do lado comercial, o economista prevê que uma ligeira recuperação nos fluxos, calcada em maiores receitas decorrentes do aumento do preço das commodities. "Mesmo assim, não creio em nada expressivo, porque a alta das commodities não deve conseguir compensar totalmente a falta de demanda externa", acrescenta.
Em julho, o câmbio comercial contratado registrou déficit de US$ 400 milhões. Enquanto as operações financeiras - que contabilizam investimentos em títulos, remessas de lucros e dividendos ao exterior entre outras operações - registraram saldo positivo de US$ 1,341 bilhão.
Já nos três primeiros dias de agosto, o fluxo cambial foi negativo em US$ 174 milhões decorrente de uma saída líquida de US$ 356 milhões na conta comercial e de entrada de US$ 183 milhões na ponta financeira.
Para o diretor da NGO Corretora, Sidnei Nehme, a fraqueza do fluxo cambial parece ser uma tendência que deve se consolidar ao longo do semestre, provocando repercussões no preço da moeda americana.
Ainda de acordo com Nehme, é importante ter em conta que há um saldo a pagar de importações já realizadas de US$ 17,706 bilhões. "O que não é pouco considerando que o fluxo cambial está muito estreito em seus saldos mensais", diz. No lado das exportações, já foram internalizados US$ 2,88 bilhões que têm de ser embarcados ao exterior.
Em julho, todas as linhas que constroem a conta comercial, como Adiantamento de Contrato de Câmbio (ACC), pré-pagamento e "demais" caíram, ficando abaixo da média no ano.
As exportações contratadas somaram US$ 16,756 bilhões no mês, 20% abaixo da média do ano de US$ 20,9 bilhões. Os ACCs ficaram 5,5% abaixo da média, os pré-pagamentos recuaram 18% e a linha "demais" ficou 25% abaixo da média. Já as importações, de US$ 17,156 bilhões, ficaram apenas 2% abaixo da média.
No lado financeiro, os ingressos do mês caíram 11% sobre a média, somando US$ 28,980 bilhões, enquanto as saídas ficaram 13% abaixo da média, totalizando US$ 27,639 bilhões.
A sobra de moeda no fim do mês promoveu uma recomposição na posição comprada dos bancos no mercado à vista.
O estoque de moeda que tinha caído a pouco mais de US$ 130 milhões no meio do mês, encerrou julho totalizando US$ 2,679 bilhões, contra US$ 2,287 bilhões do fim de junho.
Para o segundo semestre, a LCA Consultores prevê um volume maior de saída de recursos na comparação com os seis primeiros meses do ano, da ordem de US$ 61 bilhões.
A consultoria prevê que esse movimento ocorra por conta de um aumento nos pagamentos de principal de dívida (sobretudo pelo setor privado) e também pela expectativa de elevação no déficit em transações correntes.
O BC estima que as amortizações de dívida privada totalizem US$ 22,56 bilhões no segundo semestre (ante US$ 12,97 bilhões nos primeiros seis meses), sendo US$ 6,39 bilhões apenas em dezembro. A autoridade monetária prevê ainda que o déficit em transações correntes suba a 2,38% do Produto Interno Bruto (PIB) no fechamento do ano, ante 2,21% entre janeiro e junho.
Na visão da LCA, o que deve impedir um saldo negativo no fluxo cambial entre julho e dezembro é o considerável volume de IED e a volta dos fluxos oriundos de captações externas.
A consultoria estima que o IED totalize US$ 27 bilhões neste semestre (US$ 57 bilhões no ano). Já as captações de médio e longo prazos (com e sem emissão de títulos) deverão atingir US$ 31 bilhões no período, com taxa de rolagem de 122%, menor do que a observada no primeiro semestre (129%).
Por ora, o BC mantém a projeção de que o IED fique em US$ 50 bilhões neste ano, insuficiente para cobrir o déficit em transações correntes projetado para 2012, de US$ 56 bilhões.
Mas os fluxos para o setor produtivo têm surpreendido para cima, e o próprio presidente do BC, Alexandre Tombini, admitiu no mês passado que a conta de IED será suficiente para cobrir o déficit em conta corrente.
Ancorado nessa expectativa, o estrategista para mercados do Banco Indusval & Partners, Daniel Moreli Rocha, prevê que o fluxo cambial pode fechar o semestre positivo em cerca de US$ 10 bilhões.
Para o profissional, o maior volume de IED também pode tomar fôlego na perspectiva de que a economia mundial não sofra uma ruptura, o que direcionaria os fluxos para países com potencial para uma recuperação neste semestre, como o Brasil.
"Pelo que vemos, o cenário está razoavelmente estável, o que por si só já melhora a disposição do investidor a aplicar fora das economias centrais", afirma.
No entanto, o estrategista espera que a conta comercial siga deprimida, por conta de um aumento das importações no fim do ano.
Com isso, Moreli Rocha não enxerga alteração substancial na taxa de câmbio até dezembro.
"Minha aposta é que o dólar termine o ano entre R$ 2,00 e R$ 2,08, também porque o governo já deixou claro que não permitirá que a moeda caia mais para proteger a indústria", afirma.