Os títulos públicos indexados ao índice de inflação IPCA, as NTN-Bs, voltaram a ser negociados com juro real negativo no mercado secundário. O papel com vencimento em maio de 2013 pagava ontem ao investidor uma taxa real negativa entre 0,06% e 0,20% (spread de compra e venda). Ou seja, a inflação projetada pelo papel superava o rendimento da taxa prefixada de prazo equivalente. Essa situação inédita, observada pela primeira vez na quarta-feira, reflete a aposta de que a inflação deve ter um "soluço" nos primeiros meses do ano que vem. Mas, na visão dos especialistas, está longe de indicar uma tendência ou mesmo um novo padrão para as negociações com esse tipo de ativo.
Os recentes índices de preços têm apontado para uma inflação mais salgada no primeiro trimestre, em linha com o comportamento sazonal dessa época do ano. É uma espécie de repique que marca os primeiros meses do ano, quando há reajustes de mensalidades escolares, dos combustíveis, dos transportes, além do fato de os preços dos alimentos in natura dispararem por causa das chuvas.
Só que, diferentemente de outros momentos, desta vez, o ano começa com uma taxa de juros em níveis historicamente baixos. "A taxa nominal de juro nunca foi tão baixa, o que ganha ainda mais relevância em um início de ano, quando sazonalmente há problemas com a inflação", observa Diego Donadio, estrategista do BNP Paribas, lembrando que o período de janeiro a abril concentra a maior parte da inflação do ano.
É essa combinação de fatores - inflação pontualmente mais alta e juro baixo - que explica a taxa negativa real da NTN-B de curto prazo. "Na verdade, trata-se de um ponto de menor relevância dentro dos diversos vencimentos de títulos públicos, pois é muito curto", afirma José Mauro Delella, do UBS Wealth Management. "Mas é uma ilustração clara da visão mais altista da inflação que o mercado tem para os próximos meses", acrescenta. Outro especialista em dívida mobiliária enfatiza, ainda, que "juro real negativo não é uma tendência para nenhum papel".
Para calcular o juro real da NTN-B é preciso, primeiro, ter claro qual é a taxa de inflação que o papel projeta. Essa inflação implícita é calculada a partir da diferença entre o juro nominal do título público e o contrato de DI de prazo equivalente. Para a NTN-B com vencimento em maio de 2013, a taxa atingiu 7,07% na quarta-feira e, ontem, cedeu para algo ao redor de 7%.
A inflação implícita sobe, portanto, quando a demanda pelo papel faz o rendimento nominal cair mais do que a taxa do DI. Esse é o movimento que se observa nos últimos dias. Como o mercado não enxerga espaço para alta de juro - ou, em alguns casos específicos, vê até algum risco de alívio monetário -, os juros futuros se mexem pouco, levando ao rendimento real negativo do papel.
O investidor que comprar as NTN-Bs nessa condição vai ganhar em duas situações: se a inflação for ainda mais alta do que a projetada pelo papel ou se o juro prefixado cair mais (o que poderia ocorrer se houver uma aposta firme em corte da Selic). A primeira hipótese, na visão dos especialistas, é o que motiva os negócios, mais do que a segunda. Mas trata-se, no entanto, de uma posição mais especulativa, que tende a perder força à medida que os dados de inflação corrente tornarem as projeções de inflação mais firmes.
A demanda por NTN-B está aquecida há alguns meses, justamente porque o mercado está desconfortável com o rumo da inflação, embora também não acredite que o Banco Central subirá a taxa Selic, por causa da fraqueza da atividade. Essa percepção ficou mais clara a partir da divulgação do PIB do terceiro trimestre, que avançou apenas 0,60%, reduzindo as estimativas para a expansão no ano para 1%, segundo o Relatório de Inflação divulgado ontem.
Esse quadro explica uma disparada também inédita da inflação implícita de outros papéis que têm maior liquidez, superando a marca dos 6%. No caso do título para 2015, a projeção de inflação atingiu ontem 6,07%, enquanto que o papel para 2014 era negociado com estimativa de inflação de 6,09%, segundo cálculos do mercado.
Claro que existe sempre um prêmio - uma diferença - entre essa inflação implícita e a projeção do mercado. Esse prêmio tem aumentado nos últimos dias, refletindo a crescente procura dos investidores por um ativo que garanta proteção para o caso de uma inflação ainda maior do que o esperado.