Nem a inflação alta, nem a atividade fraca devem ser argumento para uma mudança na política monetária em 2013. Para Antonio Corrêa de Lacerda, professor do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUC-SP, o BC deverá manter a Selic estável, em 7,25% ao ano, por, pelo menos, todo 2013, garantindo assim que os agentes econômicos tenham tempo para se adaptar à nova realidade. "A mudança do patamar de juros vai gerar um deslocamento gradual do portfólio dos fundos de investimento, fundos de participação, de previdência que precisam apresentar remuneração aos cotistas para atividades produtivas e projetos de infraestrutura. É um processo que já se iniciou e deve continuar nos próximos anos", afirmou. Sobre a inflação, Lacerda considera que uma taxa ao redor de 5,5%, que deve se repetir em 2013, é totalmente aceitável para os padrões brasileiros. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: O Brasil está preparado para conviver com juros em níveis tão baixos por um período prolongado, como vem sinalizando o BC?
Antonio Corrêa de Lacerda: Eu vejo que o mais provável é que tenhamos uma estabilidade nas taxas de juros este ano. O Banco Central conseguiu trazer os juros reais a nível inédito, em torno de 1,5% ao ano. Isso, junto com a mudança que houve na taxa de câmbio - que foi importante, pois estávamos com o câmbio caminhando para R$ 1,50 (antes de o BC iniciar uma série de medidas que garantiram a desvalorização do real). Então, eu acho que 2013 é um ano de consolidação dos avanços obtidos em termos de política monetária e política cambial. A meu ver, é preciso agora dar um tempo para a adaptação dos agentes econômicos, especialmente do setor produtivo, para conviver com esse novo nível dos macropreços.
Valor: Mas a atividade ainda não mostrou uma resposta aos estímulos concedidos. Isso pode levar o BC a agir novamente?
Lacerda: A gente sabe que o objetivo do governo, que é agregar maior valor local e gerar investimentos produtivos, não é alcançado do dia para a noite. Existem alguns setores na área produtiva que têm pleiteado mais cortes de juros e desvalorização maior do câmbio, mas o momento é de consolidar o que já foi conquistado. O setor produtivo está observando as mudanças nos preços relativos de câmbio e juros e de olho nas oportunidades com mudanças regulatórias. Nesse sentido, infraestrutura, ao mesmo tempo em que é um gargalo, é uma oportunidade. Temos a China que é sobreinvestida, uma Europa em crise, Estados Unidos com crescimento modesto, isso abre oportunidade para todos os países, como o Brasil, que têm carência de investimentos. Isso deverá se consolidar não só pelo interesse dos investidores estrangeiros, mas também dos locais. A mudança do patamar de juros vai gerar um deslocamento gradual do portfólio dos fundos de investimento, fundos de participação, de previdência que precisam apresentar remuneração aos cotistas para atividades produtivas e projetos de infraestrutura. É um processo que já se iniciou e deve continuar nos próximos anos.
Valor: Como o senhor avalia o risco de a inflação seguir em alta neste ano?
Lacerda: Existe pressão inflacionária, decorrente principalmente dos preços de serviços, que é uma característica de países com o perfil de distribuição de renda como o nosso. De outro, há um choque de oferta, dos preços agrícolas. Não se trata de uma inflação de demanda, que exigiria mudança de política monetária. O nível de inflação do país é maior do que o centro da meta, mas ainda distante do teto. Então, esse nível de 5,5%, que deverá ainda se repetir, a meu ver, é bastante factível para a realidade brasileira.
Valor: O BC pode recorrer a outros instrumentos para evitar que a inflação continue em alta?
Lacerda: Eu vejo que começamos a usar mais intensamente macroprudenciais em 2010. Mas ainda somos principiantes. Na nova configuração, é algo que precisa ser testado. A questão dos compulsórios e regulação de crédito são outros instrumentos de política monetária que nos tira da armadilha de inflação e juros, que prevaleceu no Brasil no pós-plano Real.
Valor: Há algum gargalo específico que o BC deve monitorar?
Lacerda: Sim, crédito e financiamento. Precisamos viabilizar condições para ter crédito e financiamento em bases saudáveis. Não vai ser mais possível dar o salto que se viu em volume de crédito. Saímos em cinco ou seis anos de 25% do PIB para 50%. Foi um salto expressivo. Esse nível, em termos internacionais, ainda é baixo. O Brasil tem condições de ampliar o crédito, principalmente o corporativo e o habitacional. Talvez haja menos espaço no crédito ao consumidor. Com isso, teremos de reavaliar a estrutura financeira: a base do compulsório, regulação de crédito. Temos um potencial grande para mexer por aí. O papel do BC será ao mesmo tempo cuidar para que a inflação convirja para o centro da meta, mantendo algum controle sobre o câmbio, garantindo previsibilidade e estabilidade da taxa de juros. É uma tarefa desafiadora, mas plenamente factível, pois o principal já foi feito. O "teste do pudim" da economia brasileira foi trazer juro para o patamar atual e corrigir a taxa de câmbio. Agora, é preservar.