Pergunta: Como conviver com a valorização do real, que se apresenta como tendência de longo prazo?
Recentemente, as reclamações quanto à apreciação do real vêm ganhando força. Já mobilizam todo o governo, até mesmo a presidente da República. Será que o real forte deve ser combatido a todo custo? Mesmo que a resposta seja positiva, cabe perguntar o que, de fato, se pode fazer contra a apreciação do câmbio.
O real apreciado encarece as exportações brasileiras, penalizando, sobretudo, as indústrias. Também barateia as importações, que competem diretamente com nossos produtores internos. É esse duplo efeito que tem alimentado boa parte das reclamações. No entanto, basta refletir um pouco para duvidar de que o real forte seja, de fato, tão indesejável. Compare-se a situação do país em 2002, quando o dólar beirou os R$ 4,00, com a situação dos anos que se sucederam. A popularidade dos governos do PT deve-se, em grande medida, ao real forte. Inflação baixa combinada com o crescimento razoável que a economia brasileira vem apresentando, provavelmente, não teria sido possível, caso o real não tivesse se apreciado.
É importante constatar que, se o Brasil continuar a "dar certo", isto é, a crescer a taxas moderadas sem descontrole inflacionário, explorando suas vantagens comparativas, o real forte veio para ficar. Pode-se discordar quanto ao grau, mas não quanto ao fato de que pertencem ao passado taxas de câmbio tão desvalorizadas a ponto de tornar rentável produzir quase qualquer coisa internamente. O cenário de real forte não é apenas o mais provável. É bem possível que seja também desejável.
Os limites para baixar juros e depreciar o câmbio sem gerar inflação são mais restritos no Brasil
Nesse quadro, a prioridade deveria ser aumentar a produtividade e a competitividade da indústria. Não é de hoje que o diagnóstico dos pontos a serem atacados está feito: priorizar a educação; melhorar a combalida infraestrutura da economia; racionalizar e reduzir a carga tributária (o que implica deter o crescimento excessivo do gasto público); reformar a legislação trabalhista e melhorar o ambiente de negócios, promovendo a competição, e reduzindo a burocracia e a insegurança jurídica, entre outras medidas.
O que se vê, entretanto, é a adoção de paliativos ad hoc para atender setores e empresários ungidos pelo poder, envolvendo crédito subsidiado, desonerações fiscais e proteção contra competição externa.
É provável que tais medidas casuísticas tenham efeito líquido negativo sobre a produtividade, pois não só deixam de atacar os problemas fundamentais, como tornam a economia ainda mais complexa e menos competitiva.
Em paralelo a esses paliativos, o governo retomou, com ímpeto renovado, iniciativas para enfraquecer o real, desdobradas em duas frentes: restrições à entrada de capitais e volta do Banco Central às compras de câmbio.
O resultado foi uma depreciação de cerca de 10% do real frente ao dólar, desde o final de fevereiro, com a taxa de câmbio ora beirando R$ 1,9 por dólar. Quais os limites dessa nova política cambial pautada pelo objetivo de enfraquecer o real?
Cabem aqui dois esclarecimentos básicos. Primeiro, o que importa para a competitividade da produção nacional é a taxa de câmbio real e não a nominal. E a evolução da taxa de câmbio real depende, também, do diferencial entre as taxas de inflação do Brasil e de nossos competidores externos. Ou seja, uma inflação interna mais alta do que no exterior aprecia a taxa de câmbio real, mitigando os efeitos de uma depreciação nominal.
O primeiro esclarecimento leva ao segundo. O Banco Central pode, a qualquer momento, colocar taxa de câmbio em níveis muito mais altos do que o atual. Bastaria acumular reservas e deixar a taxa Selic despencar, abandonando as compras esterilizadas de câmbio que hoje faz, que mantêm a taxa Selic no nível fixado pelo Copom.
Só não adota tal política porque sabe que dela resultaria uma aceleração de inflação que, em pouco tempo, corroeria a depreciação da taxa de câmbio real, inicialmente, obtida.
É verdade que, recentemente, a combinação de controles de entrada de capitais com compras esterilizadas de câmbio parece ter contribuído, significativamente, para o enfraquecimento do real. Se a inflação não subir, a depreciação da taxa de câmbio real, que é a que importa, poderá ser mantida por um período mais longo.
O que é preciso, portanto, é analisar os possíveis impactos inflacionários do que parece ser a nova política cambial de fixação de um piso para a taxa de câmbio nominal.
Estudos econométricos de Affonso Pastore indicam que o coeficiente de repasse da depreciação cambial para a inflação (pass-trough coefficient) tem caído nos últimos anos, o que poderia implicar impacto limitado sobre a inflação, a curto prazo, da depreciação cambial recente de 10%. O problema é que a nova política cambial de piso para a taxa de câmbio nominal, aliada à queda continuada dos juros, deve continuar elevando a inflação esperada a médio prazo.
Mantidas as políticas monetária e cambial atuais, a tendência da inflação é aumentar, o que desencadearia nova apreciação da taxa de câmbio real.
Quando isso acontecer, o que fará o governo? Tentará novas rodadas de depreciação cambial com redução de juros que gerariam mais inflação?
Os dilemas que enfrentamos não são peculiares à economia brasileira. Até mesmo a economia chinesa vem enfrentando alta da inflação proveniente de sua política de juros baixos e intervenções cambiais. A peculiaridade brasileira é que nossos limites para baixar juros e depreciar a taxa de câmbio, sem gerar inflação, são bem mais restritos.
Não há evidências conclusivas quanto às causas de tais limitações, mas muitos economistas, dentre os quais me incluo, identificam a reduzida capacidade de poupança da economia brasileira, em especial a poupança pública negativa, como a principal causa. Dado que o governo continua impulsionando o crescimento do gasto público, além de continuar aumentando o dispêndio parafiscal (via crédito subsidiado do Tesouro aos bancos públicos), há pouca esperança que tal realidade venha a ser alterada.
Nenhum governo deixa sua moeda se fortalecer demasiadamente sem reagir. As intervenções cambiais e os controles de capitais não são ruins per se. O problema das intervenções é que o custo fiscal das reservas cambiais é muito alto, devido ao elevado diferencial de juros. Já os controles de capitais, ainda que pareçam estar funcionando nos últimos meses, tendem a perder efeito ao longo do tempo. Isto decorre de não se querer fechar todas as portas de entrada aos capitais externos.
Dado que a taxa de poupança interna brasileira é bem inferior à taxa de investimento necessária para que se cresça a 4% ou mais, é necessário recorrer à poupança externa, isto é, recorrer aos capitais externos. Como o capital é fungível, após algum tempo ele passa a fluir mais intensamente pelos canais não atingidos pelos controles de capitais. Ou seja, necessariamente, a eficácia dos controles é temporária. Pode-se adotá-los, mas não isoladamente. Se não forem feitas as reformas necessárias para elevar a produtividade da economia, bem como um ajuste fiscal sério, as intervenções cambiais não passarão, como dizia Simonsen, de "anestesia sem cirurgia".