Apesar do avanço dos cartões, instrumento usado na época da inflação ainda resiste
A pressão do governo pela queda nas taxas de juros e a intenção já manifestada por alguns bancos de acabar com a modalidade de pagamento parcelado sem acréscimo no cartão de crédito podem vitaminar o velho cheque pré-datado. Apesar de o perfil do endividamento ser dominado hoje pelos cartões de crédito, o pré-data-do, uma típica invenção brasileira dos anos 1990 para fomentar o consumo numa época em que o crédito era escasso, continua vivo.
Duas pesquisas recentes sobre endividamento feitas com consumidor mostram com números a real dimensão do cheque pré-datado. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC), o pré-datado responde hoje por 2,3% do endividamento das famílias. Um ano atrás, em setembro de 2011, essa fatia estava em 4,6%.
Já os números da Boa Vista Serviços, empresa especializada em informações financeiras para aprovação de crédito, revelam que o cheque pré-datado responde por 5% das dívidas que os consumidores acumulavam em julho e agosto deste ano.
“Sem dúvida, com os juros em queda, o pré-datado pode voltar. Só não dá para saber a proporção”, diz o economista da Boa Vista Serviços, Flávio Calife. Ele observa que, com a queda dos juros, o custo de oportunidade do lojista de bancar a venda a prazo com o pré-datado diminui.
Assim como Calife, a economista da CNC Marianne Hanson avalia que o cenário de juros baixos pode estimular o uso do pré-datado. De toda forma, ela pondera que aceitar o pré-datado representa maior risco para o lojista, que não está livre da inadimplência, como ocorre no caso da venda parcelada sem acréscimo no cartão.
Ela diz que o avanço do cartão e o recuo do cheque estão explícitos nos dados do Banco Central.
Em 12 meses até julho deste ano, o número de transações com cartão cresceu 16,3%. No mesmo período, a quantidade de cheques : compensados recuou 9,2%.
Perfil. Apesar da perda de participação do cheque, o pré-datado resiste e tem maior peso como forma de endividamento no Sul do País e no interior do Estado de São Paulo. De acordo com a pesquisa da Boa Vista Serviços, na região Sul, a participação do pré-datado no endividamento é hoje de 6%, acima da média nacional, que está em 5%.
Também um estudo da Kantar Worldpanel, empresa de pesquisa especializada em mapear o ; consumo familiar de alimentos, bebidas e produtos de higiene e limpeza, a presença do pré-datado como forma de pagamento é mais forte entre os lares do interior do Estado de São Paulo e da região Sul do Brasil.
Em 12 meses encerrados em junho, 10% dos 8,2 mil lares brasileiros visitados semanalmente pela empresa de pesquisa declararam que fizeram uso do pré-datado para pagar as compras ao menos uma vez. Do total de entrevistados que informaram ter feito uso do pré-datado ao menos uma vez, 28,1% dos lares estão na região Sul e 27,3% no interior do Estado de São Paulo.
Patrícia Menezes, gerente comercial e de marketing da Kantar Worldpanel, atribui a maior frequência do uso do pré-datado nessas regiões a dois fatores. O primeiro é a maior penetração dos serviços financeiros, superando a média do País. No interior de São Paulo, 38% dos lares fazem uso de serviços financeiros e no Sul, 41%. A média do Brasil está em 37%. “O outro fator está ligado ao aspecto cultural. No interior de São Paulo e no Sul, todo mundo conhece todo mundo, por isso o pré-datado é mais usado”, diz Patrícia.