O superávit primário do setor público em 2012 ficou em 1,8% do Produto Interno Bruto (PIB), numa conta que exclui receitas e despesas atípicas, bastante abaixo dos estimados 2,4% do PIB do resultado oficial, a ser conhecido no fim do mês, segundo estimativa do Itaú Unibanco. O elevado pagamento de dividendos ao Tesouro por instituições estatais, como BNDES e Caixa, e o resgate de R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano do Brasil (FSB) foram as principais operações não recorrentes a engordar o superávit no ano passado. O governo usou essas manobras para cumprir a meta fiscal, de 3,1% do PIB, além de ter descontado gastos com investimentos para chegar a esse número. Sem abater essas despesas, o número ficou na casa de 2,4% do PIB.
Esse resultado de 1,8% do PIB é inferior aos 2,7% registrados em 2011, mas supera com alguma folga o 1,1% de 2009 e também de 2010, nas contas do economista Mauricio Oreng, do Itaú Unibanco. Em relatório divulgado ontem, ele analisou o impacto sobre as contas públicas das operações não recorrentes, ou seja, aquelas que não devem se repetir todo ano - como pagamentos muito elevados de dividendos de estatais ou renegociação de dívidas tributárias - ou são puramente contábeis - como transferências de depósitos judiciais da Caixa para o Tesouro ou o impacto sobre as receitas do governo da capitalização da Petrobras, ocorrida em setembro de 2010. O superávit primário é a economia do setor público para pagar os juros da dívida.
"Desde o início da década passada, observa-se que as receitas não recorrentes contribuem, em média, com 0,5% do PIB ao ano para o superávit primário. Mas o uso de fontes atípicas de ingressos não é uniforme ao longo do tempo", escreveu Oreng.
Segundo ele, em 2000 e 2001, "os primeiros anos de um ajuste fiscal que visava reverter uma trajetória de elevação no endividamento público", houve o uso de um volume significativo de receitas de concessões. "No total, as receitas extraordinárias somavam, em média, 0,5% do PIB a cada ano."
Entre 2002 e 2007, o quadro foi bastante diferente, com pouca utilização de receitas não recorrentes. Oreng lembrou que, nesse intervalo, o crescimento se acelerou, houve expansão da atividade financeira os preços de commodities aumentaram. "As receitas consideradas como não recorrentes somaram, em média, apenas 0,1% ao ano durante esse período."
No período pós-crise, houve uma retomada do uso de operações atípicas para engordar o superávit primário, com as receitas não recorrentes na casa de 0,7% do PIB ao ano. entre 2008 e 2012. "Os veículos mais utilizados foram operações de transferência de capital, como as receitas computadas após a capitalização da Petrobras, e os dividendos de estatais, especialmente de bancos públicos", disse Oreng.
De 2008 para cá, o pagamento de dividendos por instituições estatais foi a principal fonte de recursos não recorrentes para o Tesouro. Nas contas de Oreng, a receita acima do usual com dividendos atingiu R$ 47,3 bilhões. O impacto da operação de capitalização da Petrobras, de R$ 31,9 bilhões, vem em seguida. Em terceiro lugar, aparecem R$ 19 bilhões referentes ao pagamento de dívidas tributárias por empresas e o adiantamento de quitação de débitos renegociados no chamado Refis da crise.
O estudo do Itaú Unibanco mostra ainda que, sem as operações atípicas dos últimos anos, a dívida líquida do setor público teria fechado 2012 em 38,4% do PIB, acima dos cerca de 35% do PIB que o Banco Central deverá informar no fim do mês. Mesmo assim, o indicador seguiria em queda em relação aos anos anteriores, ainda que mais moderada - em 2010, por exemplo, a dívida equivalia a 40,9% do PIB, também na série que exclui todas as operações atípicas.
Isso indica, segundo Oreng, que a influência das receitas não recorrentes não tem tido um papel crucial para a manutenção das condições de solvência das contas públicas nos últimos anos. Ele considera, porém, que essa prática pode gerar ruídos quanto à percepção sobre a a qualidade da política fiscal do país. O mais indicado, para Oreng, é a adoção de metas fiscais estruturais, que levem em conta o ciclo econômico. Com elas, haveria maior poupança nos tempos de crescimento mais forte, e economia menor nos momentos de fraqueza na atividade.