A professora de economia da Unicamp Daniela Prates discorda da opinião de muitos analistas de que o principal motivo para o real estar se desvalorizando mais que as outras moedas emergentes é a incerteza com a política econômica doméstica.
Segundo ela, é a grande abertura do mercado brasileiro aos investidores estrangeiros e o peso excessivo do mercado de câmbio futuro em relação ao à vista que acentuam a desvalorização da moeda brasileira - uma tendência que faz parte de um movimento global provocado pela expectativa de mudança na política monetária do Federal Reserve. A melhor alternativa para conter a intensidade da desvalorização do câmbio, portanto, seria a imposição de um imposto sobre operações financeiras (IOF) nas posições compradas excessivas.
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:
Valor: Por que a desvalorização do real é maior que a das demais moedas emergentes?
Daniela Prates: O principal determinante é o fator externo. Os emergentes foram os principais beneficiados pelos estímulos do Fed e, em um momento como esse, essas moedas são as que mais desvalorizam, porque o sistema monetário internacional é hierárquico. O Brasil foi um dos países que mais absorveram fluxos de capitais [durante o período de farta liquidez] e com isso, a moeda brasileira se apreciou muito. Agora o real está devolvendo grande parte do que ganhou. Outro ponto importante é que no Brasil, ao contrário do que ocorre em outros emergentes, o mercado futuro de câmbio tem mais liquidez e profundidade que o à vista, o que potencializa a possibilidade de especulação. O mercado é líquido e totalmente aberto para os estrangeiros, que têm um papel fundamental nos movimentos do real. A posição comprada desses investidores cresceu muito desde junho, é por isso o real se depreciou tanto.
Valor: O que poderia ser feito para resolver esse problema?
Daniela: Por que não impor um IOF sobre posições compradas excessivas? Sei que isso não é fácil de fazer, porque não é uma medida "market friendly" (que agrada o mercado). Os mecanismos de gestão de posições em derivativos cambiais são instrumentos que auxiliam a política macroeconômica. Faltam em nosso arcabouço medidas para conter os excessos que estão contribuindo para a desvalorização do real. A economia brasileira continua tendo um grau de abertura muito grande.
Valor: A centralização do câmbio seria uma alternativa viável?
Daniela: Eu faria primeiro essas medidas que falei. Se estou certa de que a pressão maior é nos derivativos, a centralização do câmbio não seria suficiente, porque iria controlar apenas os fluxos no mercado à vista. Acho que a medida mais eficiente agora seria o IOF sobre posições compradas excessiva. Você não estaria fechando o mercado para investidores estrangeiros, mas reduzindo a capacidade de especulação.
Valor: O Banco Central anunciou um programa de leilões de swap que durará até o fim do ano. Qual a eficácia desse instrumento?
Daniela: Essa é uma medida "market-friendly", ao contrário do IOF, que não seria bem recebido pelo mercado porque penalizaria os especuladores. A medida adotada pelo governo beneficia não apenas os agentes que buscam "hedge", mas também os especuladores. Na situação atual, em que não há um excesso de demanda por "hedge", o IOF sobre posições compradas excessivas seria mais eficiente em conter a alta do dólar, pois penalizaria os especuladores e ainda teria impacto fiscal positivo, ao contrário dos swaps, que oneram as contas públicas. O governo também poderia utilizar uma combinação das duas medidas, pois em geral mecanismos de gestão de fluxos de capitais e derivativos cambiais ampliam a eficácia da política cambial num regime de flutuação suja, ao contrário do suposto pelos modelos macroeconômicos convencionais.
Valor: A política econômica está contribuindo para o mau humor dos investidores com o Brasil?
Daniela: Não que essas questões não tenham relevância, mas com certeza não são o mais importante. Nos momentos de aversão ao risco, não são os fundamentos econômicos que determinam o movimento dos ativos, mas os fluxos de capitais. O Brasil fica frágil e o real vulnerável em função da capacidade dos estrangeiros de fazer apostas no mercado futuro com facilidade. Então, quando há uma desalavancagem isso faz com que você acentue a depreciação do real.